Num mundo em que as margens dos negócios internacionais estão sob pressão, a diferenciação é cada vez mais difícil. Embora seja o caminho que poderá aportar mais valor.

No contexto português, vários setores têm sentido este desafio de forma acentuada. Por exemplo, na indústria têxtil, algumas empresas de confeção que exportavam para mercados como a França e a Alemanha viram os seus modelos e padrões copiados por concorrentes locais. A ausência de registos formais de design impediu qualquer tipo de ação legal, resultando em perdas de faturação e de imagem.

Esta vulnerabilidade demonstra como a falta de proteção pode comprometer até mesmo empresas com produto e qualidade reconhecidos. É neste cenário que a propriedade intelectual se torna não apenas uma ferramenta legal, mas um verdadeiro escudo estratégico para sustentar a presença internacional das PME portuguesas.

Os mercados estão saturados de opções (a oferta é muita, assim como a competitividade), a propriedade intelectual (PI), aonde se inclui a propriedade industrial, emerge como um dos ativos mais valiosos e subestimados das empresas exportadoras. Para muitas PME portuguesas, a PI ainda é vista como algo “jurídico” ou acessório. No entanto, nos mercados internacionais, pode ser a diferença entre conquistar um cliente estratégico ou ser bloqueado na alfândega (ou problemas de litigância no futuro).

Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), as exportações de produtos com forte componente de PI (tecnologia, design e marcas) têm crescido mais rapidamente do que os produtos de base. A Comissão Europeia estima que mais de 45% do PIB da UE já seja gerado por setores intensivos em PI. Por outro lado, o número de litígios comerciais internacionais envolvendo marcas e patentes duplicou na última década.

Para as empresas portuguesas que querem internacionalizar de forma sustentada e com valor acrescentado, entender e aplicar estratégias de propriedade intelectual é hoje uma obrigação para quem quer diminuir o risco e proteger-se. E isso não se aplica apenas a startups tecnológicas ou grandes grupos industriais: desde o design de um sapato à marca de um queijo artesanal, a PI pode e deve ser integrada num plano de internacionalização.

Casos de sucesso nacionais comprovam este impacto. O setor do calçado, por exemplo, tem investido significativamente na proteção de design e marca permitindo consolidar um posicionamento premium, evitando imitações e reforçando a exclusividade da sua proposta de valor.

No setor têxtil algumas empresas utilizam patentes associadas a processos inovadores e design sustentável para conquistar mercados nórdicos, onde a diferenciação ecológica e tecnológica é altamente valorizada (ver artigo sobre ESG aqui no blog do BOW).

 

O que não fazer: erros frequentes que comprometem o sucesso internacional 

  • Exportar sem proteger marcas ou patentes nos mercados-alvo: muitas PME acreditam que o registo em Portugal ou na UE basta. Mas os direitos de PI são territoriais. Se não houver registo no Brasil, China ou Angola, por exemplo, a marca pode ser apropriada localmente por terceiros;
  • Usar nomes ou designs semelhantes aos de marcas já registadas: além de potencial bloqueio alfandegário, pode resultar em processos judiciais e destruição de mercadoria;
  • Negligenciar contratos de licenciamento, distribuição ou produção local: sem cláusulas claras de proteção de PI, é fácil perder o controlo sobre conhecimento, processos ou imagem da marca;
  • Ignorar o potencial da propriedade intelectual como fonte de receita: a PI não serve apenas para proteção defensiva. Pode ser licenciada, vendida ou usada como moeda de troca em parcerias internacionais;
  • Desvalorizar o design e as indicações geográficas: produtos com origem certificada ou design protegido têm maior valor percecionado e menos concorrência direta.

Um caso, sem referir a marca e que não é único, ocorreu com uma PME portuguesa do setor agroalimentar que, ao tentar exportar para o Brasil, viu a sua marca já registada por um distribuidor local. Resultado? Perdeu a possibilidade de usar o nome, teve de alterar rótulos e branding à pressa, e enfrentou custos legais para tentar recuperar direitos mínimos sobre a imagem.

Outro caso e noutro setor de atividade pois é transversal, uma empresa de vestuário técnico que começou a exportar para a Ásia sem registar o design dos seus produtos. Meses depois, surgiram cópias quase idênticas à venda em marketplaces, sem qualquer capacidade de intervenção legal. Um erro que minou a reputação da marca e resultou em queda de vendas.

Um exemplo critico foi o de uma PME portuguesa de mobiliário contemporâneo que investiu fortemente em design exclusivo e presença em feiras internacionais. Ao não registar os seus modelos fora da Europa, viu uma grande rede de retalho na América Latina produzir peças muito semelhantes, vendendo-as a preços inferiores. A marca portuguesa perdeu credibilidade e desistiu da expansão nesse mercado.

Uma empresa de brinquedos educativos que participou numa feira internacional sem qualquer proteção de marca ou modelo. Poucos meses depois, encontrou produtos idênticos à venda na Ásia, com o mesmo nome, cores e conceito. Não conseguiu provar anterioridade suficiente nem impedir a sua comercialização, o que gerou perdas financeiras.

Finalmente, uma marca portuguesa de produtos gourmet desenvolveu um conceito de linha de azeites com storytelling associado à cultura lusófona. Um parceiro comercial registou localmente a marca e o packaging em seu nome. Após o rompimento do acordo, a empresa portuguesa ficou impedida de usar o nome e perdeu o acesso ao mercado-alvo por anos.

 

O que fazer: um roteiro prático para integrar a PI na internacionalização

  • Auditar os ativos intangíveis da empresa: identificar marcas, produtos, processos, designs, software, base de dados e know-how;
  • Registar a marca em mercados prioritários: usar instrumentos como o Sistema de Madrid (para registo internacional de marcas) e o Sistema de Haia (para design industrial);
  • Consultar especialistas em PI localmente: aconselhamento jurídico nos países de destino é fundamental para evitar surpresas. Associações como o INPI, a WIPO GREEN, ou a Enterprise Europe Network têm recursos gratuitos ou acessíveis;
  • Negociar contratos com cláusulas claras de propriedade: sempre que haja licenciamento, produção por terceiros ou parcerias, incluir cláusulas de não concorrência, sigilo, royalties e resolução de litígios;
  • Usar a PI como parte do marketing e da proposta de valor: marcas com história, design premiado ou patentes transmitidas ao consumidor final têm maior valor agregado;
  • Monitorizar e fazer valer os direitos de PI: estar atento a cópias, violações ou usos indevidos. Pode recorrer a plataformas como a Alibaba IP Platform ou aos programas de vigilância da EUIPO.

Em Portugal, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) disponibiliza bases de dados, alertas de PI e programas de apoio às empresas. Também iniciativas como o Patentes.pt e o apoio técnico da AICEP podem ajudar as PME a monitorizar os seus ativos e atuar rapidamente quando há infrações.

Não basta ter uma boa ideia ou um produto diferenciado. É essencial garantir que esses ativos estejam protegidos. Em mercados globais altamente competitivos, a ausência de uma estratégia clara de propriedade intelectual pode colocar em risco anos de trabalho e investimento.

Num contexto de globalização fraturada, guerra comercial e economias digitais, a propriedade intelectual é cada vez mais uma arma estratégica. Para as PME portuguesas, deixá-la de lado é desperdiçar valor, margem e reputação. Não se trata apenas de evitar riscos, mas sobretudo de potenciar oportunidades.

Empresas que protegem e sabem explorar os seus ativos intangíveis têm maior capacidade de atrair investidores, licenciar tecnologia, negociar com parceiros e diferenciar-se em mercados maduros. E há apoios disponíveis: o programa Ideas Powered for Business da EUIPO oferece cofinanciamento para registo de marcas e desenhos.

Integrar a propriedade intelectual nas estratégias de internacionalização é um passo para transformar essas capacidades em vantagem competitiva sustentável e reconhecida lá fora.

É tempo de o fazer com estratégia, proteção e presença inteligente nos mercados.

Autor: equipa do blog do BOW

Junho 2025

Este artigo faz parte do Projeto BOW 2024/2025.