A intensificação da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China está a alterar o panorama do comércio internacional. As recentes medidas protecionistas adotadas pelos EUA, incluindo tarifas elevadas sobre produtos chineses e restrições a exportações de tecnologia, têm provocado disrupções significativas nas cadeias de abastecimento globais e criado desafios para exportadores em todo o mundo, incluindo Portugal.

Contexto atual da guerra comercial

A imposição de tarifas de até 145% sobre produtos chineses pelos EUA (numa dinâmica de escalada e reciprocidade) levou muitas empresas chinesas a redirecionar os seus produtos para outros mercados, incluindo a União Europeia. Este desvio de comércio tem causado preocupações na UE sobre a potencial inundação do mercado com produtos chineses, especialmente em setores com excesso de capacidade, como os painéis solares. ​

Além disso, as restrições dos EUA à exportação de chips para a China afetaram empresas como a NVIDIA, que prevê perdas significativas devido à proibição de venda dos seus chips de IA na China. Estas ações têm contribuído para a volatilidade nos mercados financeiros globais e levantado preocupações sobre o crescimento económico mundial. ​

Roteiro estratégico para os exportadores portugueses

Diante deste cenário complexo, as empresas portuguesas que exportam para os EUA devem adotar estratégias proativas para mitigar riscos e aproveitar oportunidades emergentes.

Abaixo, apresentamos um roteiro detalhado com medidas práticas:

  1. Diversificação das cadeias de abastecimento

Objetivo: reduzir a dependência de fornecedores em países afetados por tarifas elevadas ou instabilidade geopolítica.

Ações:

  • Mapeamento da cadeia de abastecimento: identificar todos os fornecedores e avaliar os riscos associados a cada um, especialmente aqueles que estejam localizados na China ou em países com tarifas elevadas impostas pelos EUA.
  • Exploração de novos fornecedores: considerar fornecedores em países como Vietname, Índia ou México, que têm beneficiado da diversificação das cadeias de abastecimento devido às tensões EUA-China.
  • Avaliação de custos e benefícios: analisar os custos logísticos, tarifas aplicáveis e a estabilidade política dos novos países fornecedores para garantir uma transição eficiente.
  1. Monitorização de tarifas e políticas comerciais

Objetivo: manter-se atualizado sobre mudanças nas políticas comerciais dos EUA que possam afetar as exportações.

Ações:

  • Acompanhamento de fontes oficiais: seguir as atualizações do U.S. Trade Representative e do U.S. Customs and Border Protection para informações sobre tarifas e regulamentações.
  • Consultoria especializada: trabalhar com consultores de comércio internacional para interpretar mudanças nas políticas e adaptar estratégias de exportação conforme necessário.
  • Participação em associações empresariais e outras organizações: relacionar-se com organizações como a AEP e a AICEP para obter insights e apoio em questões relacionadas ao comércio internacional.
  1. Revisão de acordos logísticos e de distribuição

Objetivo: garantir a flexibilidade e resiliência nas operações logísticas e de distribuição.

Ações:

  • Cláusulas de flexibilidade: incluir cláusulas nos contratos que permitam ajustes em caso de mudanças nas tarifas ou interrupções na cadeia de abastecimento.
  • Parcerias locais: estabelecer parcerias com distribuidores e operadores logísticos nos EUA para facilitar a adaptação a mudanças regulatórias e tarifárias.
  • Tecnologia e visibilidade: investir em sistemas de gestão da cadeia de abastecimento que proporcionem visibilidade em tempo real e capacidade de resposta rápida a disrupções (gestão do risco e planos de contingência).
  1. Conformidade com as regras de origem

Objetivo: assegurar que os produtos cumpram os critérios de origem para beneficiar de tarifas preferenciais ou evitar penalizações.

Ações:

  • Documentação adequada: Garantir que todos os produtos exportados estejam acompanhados de certificados de origem válidos e precisos (A AEP pode ajudar nesse processo através de um departamento especializado e como Câmara de Comércio e Indústria).
  • Auditorias internas: realizar auditorias regulares para verificar a conformidade com as regras de origem e identificar áreas de melhoria.
  • Formação contínua: manter a equipa informada sobre as mudanças nas regras de origem e as suas implicações para as operações de exportação.
  1. Investimento na marca e diferenciação de produto

Objetivo: destacar-se no mercado dos EUA através de uma proposta de valor única e alinhada com as preferências dos consumidores.

Ações:

  • Storytelling autêntico: comunicar a história e os valores da marca portuguesa, destacando a qualidade, tradição e sustentabilidade dos produtos.
  • Certificações e rótulos: obter certificações reconhecidas que reforcem a confiança dos consumidores, como certificações de sustentabilidade ou denominações de origem.
  • Inovação de produto: investir em pesquisa e desenvolvimento para adaptar os produtos às preferências locais e às tendências de mercado nos EUA.
  1. Aproveitamento de apoios à internacionalização

Objetivo: utilizar os recursos disponíveis para facilitar a expansão e consolidação no mercado dos EUA.

Ações:

  • Programas da AICEP e da AEP/BOW: participar em programas de apoio à internacionalização oferecidos pela AICEP e pela AEP, que incluem missões empresariais, feiras internacionais e consultoria especializada.
  • Fundos da União Europeia: explorar oportunidades de financiamento através de programas da UE destinados a apoiar a internacionalização das PME.
  • Parcerias estratégicas: estabelecer parcerias com outras empresas ou entidades que possam facilitar a entrada e o crescimento no mercado americano.
  1. Simulação de cenários e planos de contingência

Objetivo: preparar-se para diferentes cenários de risco e desenvolver planos de ação correspondentes.

Ações:

  • Análise de riscos: identificar os principais riscos que podem afetar as exportações, como aumentos de tarifas, atrasos logísticos ou mudanças regulatórias.
  • Desenvolvimento de planos de contingência: criar planos detalhados para responder a cada risco identificado, incluindo estratégias alternativas de mercado ou ajustes na cadeia de abastecimento.
  • Revisão e atualização regular: atualizar os planos de contingência regularmente para refletir as mudanças no ambiente de negócios e nas políticas comerciais.

 

Preparar-se para um novo paradigma no comércio global

A guerra económica entre os Estados Unidos e a China não é apenas uma disputa bilateral — é um sintoma da transição para uma nova ordem mundial, mais fragmentada, mais competitiva e muito menos previsível. Para as empresas portuguesas que exportam para os EUA, este novo paradigma exige uma atitude proativa, informada e estrategicamente preparada para lidar com incerteza.

O velho modelo de internacionalização baseado apenas em preço competitivo, logística eficiente e produto de qualidade já não é suficiente. Hoje, fatores como resiliência geopolítica, conformidade regulatória, flexibilidade operacional e inteligência de mercado são tão importantes quanto a própria proposta de valor.

Mais do que reagir aos acontecimentos, as empresas devem aprender a antecipá-los. Isso implica:

  • Desenvolver capacidades internas de análise de risco e planeamento estratégico internacional.
  • Investir em conhecimento — sobre mercados, políticas comerciais, tarifas, certificações e cadeias de abastecimento globais.
  • Criar equipas multifuncionais que liguem o comercial, a logística, a produção e a área legal, para uma resposta coordenada às mudanças externas.
  • Estabelecer redes de parceiros e contactos locais nos EUA que permitam aceder mais rapidamente à informação relevante e adaptar as operações.

Esta fase de turbulência internacional pode parecer ameaçadora, mas também abre espaço a oportunidades únicas para empresas ágeis, inovadoras e bem preparadas. Os EUA continuam a ser um dos mercados mais ricos, sofisticados e abertos à inovação do mundo. As empresas portuguesas que souberem reposicionar-se de forma inteligente — aproveitando a confiança na marca europeia, o design, a sustentabilidade e a capacidade de adaptação — poderão não só resistir ao impacto da guerra comercial, mas também crescer.

O momento de agir é agora. E, tal como num xadrez de longo prazo, cada movimento conta — desde a seleção dos fornecedores até ao tipo de storytelling usado junto dos consumidores americanos.

Porque, num mundo em mudança, a vantagem competitiva não está apenas no produto, mas na estratégia com que se chega ao mercado.

Autor: equipa de conteúdos do BOW

Abril 2025

Este artigo faz parte do Projeto BOW 2024/2025