A globalização que conhecíamos está a ser redesenhada. As rotas comerciais tradicionais estão sob pressão, os alinhamentos geopolíticos estão a mudar e as empresas, mesmo as de pequena e média dimensão, são hoje impactadas por decisões tomadas em Washington, Pequim ou Bruxelas.

Num espaço de poucos anos, assistimos a uma combinação de eventos que, somados, criaram uma nova realidade:

  • Guerra na Ucrânia e crescente tensão sobre Taiwan;
  • Guerra económica entre os EUA e a China, com tarifas, sanções e restrições tecnológicas;
  • Conflitos regionais e instabilidade no Mar Vermelho, Canal do Panamá e outras zonas críticas da logística mundial;
  • Reconfiguração das cadeias de abastecimento com fuga parcial da China (“China+1”) e renascimento de políticas industriais nos EUA e na Europa;
  • Pressão regulatória e ambiental, com novas exigências de ESG, pegada de carbono (CO2), rastreabilidade e normas fitossanitárias cada vez mais exigentes;
  • Flutuações cambiais imprevisíveis em mercados emergentes e taxas de juro elevadas a nível global;
  • Saturação digital e pressão sobre os canais de e-commerce transfronteiriço, onde os custos de aquisição sobem e a concorrência multiplica-se.

Segundo dados da UNCTAD, em 2023 o comércio global recuou 3% face a 2022. A OCDE alerta que a instabilidade geoeconómica já é hoje o segundo maior fator de risco para a competitividade das empresas internacionais, a seguir à transição climática.

Para empresas portuguesas — muitas delas PME, com estruturas e recursos limitados — este cenário representa um novo tipo de desafio. Já não se trata apenas de encontrar um distribuidor ou um cliente dora de portas. Trata-se de operar com inteligência, rapidez, visão estratégica e capacidade de adaptação.

Num mundo que passou do paradigma VUCA (volátil, incerto, complexo, ambíguo) para o paradigma BANI (frágil, ansioso, não linear, incompreensível), como já exposto em outro artigo aqui no blog do BOW, a exportação não pode continuar a ser gerida como um projeto tático ou um objetivo anual. Tem de ser encarada como uma competência organizacional contínua, profissional e sistemática.

Este artigo parte dessa premissa. E propõe-se ajudar empresas portuguesas a fazer duas coisas cruciais:

  • Evitar erros clássicos que, em tempos de incerteza, se tornam fatais;
  • Adotar modelos práticos, validados por frameworks de referência, para exportar com estrutura e resiliência.

A seguir, exploramos o que não fazer — e o que fazer — para crescer internacionalmente com consistência, mesmo num mundo em mudança acelerada.

 

O que não fazer: 5 erros que minam o sucesso internacional

  1. Apostar tudo num só mercado – a falta de diversificação torna o negócio vulnerável a disrupções locais (tarifas, crises cambiais, alterações fiscais).
  2. Depender em exclusivo de intermediários – sem controlo direto sobre a marca, as vendas e a experiência do cliente ficam nas mãos de terceiros.
  3. Ignorar o contexto local – exportar sem compreender a cultura, legislação ou concorrência de um mercado pode comprometer toda a operação.
  4. Não utilizar dados na tomada de decisão – sem métricas de exportação, CRM estruturado ou monitorização de vendas, perdem-se oportunidades e falha-se na correção de desvios.
  5. Planeamento estático – planos anuais inflexíveis tornam-se rapidamente obsoletos face a alterações abruptas nos mercados, como estamos a assistir.

 

O que fazer: roteiro para uma exportação resiliente

  1. Avaliar e priorizar mercados – utiliza-se aqui a matriz “attractiveness vs. fit” da BCG para escolher mercados onde a atratividade (tamanho, crescimento) se combina com a capacidade de resposta da empresa portuguesa.
  1. Dividir o crescimento por horizontes com o modelo dos “3 horizons” da McKinsey –horizonte 1: expandir mercados já em operação; horizonte 2: acelerar mercados com potencial; horizonte 3: testar novas geografias e canais.
  1. Criar um plano go-to-market específico por país – para cada mercado, definir: posicionamento, canais, preços, responsável comercial, e apoio logístico. Um “playbook” local é essencial.
  1. Estruturar gestão de risco por país – com análise cambial, política, legal e reputacional. Apoiar-se em cláusulas contratuais de proteção, seguros de crédito, alternativas logísticas.
  1. Medir, testar e adaptar – revisar trimestralmente os KPIs de cada mercado (vendas, margem, entrega, reclamações). Transformar dados em decisões.

 

Como construir um diagnóstico de prontidão à internacionalização

Este diagnóstico ajuda a perceber se a empresa está pronta para crescer no exterior de forma consistente e estratégica.

Passo 1 – definir as áreas-chave – seleciona-se entre 6 a 8 áreas como: capacidade de produção; preparação da equipa; conhecimento dos mercados; estratégia digital; dados e inteligência comercial; saúde financeira; e diferenciação do produto.

Passo 2 – avaliar cada área numa escala de 1 a 5 – 1 é fraco; 5 é excelente. A pontuação deve ser justificada com base em dados concretos ou perceção interna.

Passo 3 – somar e interpretar – 0–10: muito fraca preparação; 11–20: preparação moderada, exige trabalho; 21–30: pronto para crescer com segurança.

Passo 4 – partilhar internamente – discutir o diagnóstico com direção, equipas comerciais e parceiros externos. O processo é tão valioso quanto o resultado final.

 

Exportar com resiliência é, hoje, uma competência estratégica

O mundo mudou, e vai mudar novamente — e exportar hoje exige mais visão estratégica do que ambição comercial. Não basta querer vender lá fora: é preciso estruturar, testar, adaptar e resistir.

Principais takeaways e da prática em campo:

  • Não basta ter um bom produto. A proposta de valor precisa de ser relevante, contextualizada e competitiva para cada mercado.
  • O erro mais comum é confundir oportunidade com prontidão. Nem todas as empresas estão preparadas para internacionalizar, mesmo com procura ativa.
  • A exportação deve ser gerida como um projeto estruturado, não como uma iniciativa reativa. Com objetivos, equipas dedicadas e controlo.
  • O sucesso está na capacidade de aprender com rapidez, ajustar com precisão e executar com foco. Quem o faz ganha escala — mesmo num contexto global instável.

A internacionalização pode ser o motor de crescimento mais poderoso para uma PME portuguesa — mas só quando feita com método, clareza e consistência.

 

Autor: equipa de conteúdos do BOW

Abril 2025

Este artigo faz parte do Projeto BOW 2024/2025.