A armadilha da concentração

Portugal tem vindo a afirmar-se como uma economia cada vez mais aberta, com um peso crescente das exportações no Produto Interno Bruto (50% desde 2023). No entanto, apesar do crescimento sustentado das exportações ao longo da última década (somos uma economia pequena), a dependência de um número reduzido de mercados é um fator crítico de vulnerabilidade para muitas empresas portuguesas.

Segundo dados recentes da AICEP e do INE, mais de 60% das exportações portuguesas têm como destino apenas cinco países: Espanha, França, Alemanha, Reino Unido e EUA. Esta concentração geográfica, embora natural pela proximidade cultural, linguística ou logística, deixa as empresas expostas a riscos geopolíticos, alterações cambiais, desacelerações económicas e mudanças nas regras de acesso a mercado.

Num mundo BANI (Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível, como já aprofundamos noutro artigo aqui do Blog do BOW), depender excessivamente de um grupo restrito de mercados pode comprometer não apenas a resiliência, mas a própria sobrevivência de um negócio. É neste contexto que a diversificação geográfica deve ser encarada como uma prioridade estratégica.

O que não fazer: erros frequentes na tentativa de diversificação

Antes de abordarmos o “como fazer”, é essencial identificar os erros mais comuns cometidos pelas empresas portuguesas ao tentarem diversificar os seus mercados internacionais:

  1. Escolher mercados apenas com base em volume populacional ou crescimento do PIB. Nem sempre os maiores mercados são os mais acessíveis ou adequados. A complexidade regulatória, os custos de entrada e as barreiras culturais são frequentemente negligenciados.
  2. Replicar a estratégia de mercado sem adaptação local. As abordagens de sucesso em Espanha ou França não funcionam necessariamente em Marrocos, Colômbia ou Vietname. É preciso ajustar proposta de valor, canais, pricing e linguagem.
  3. Avançar para novos mercados sem capacidade instalada ou suporte local. Uma presença frágil (sem parceiros, sem apoio institucional, sem plano de serviço pós-venda) pode rapidamente colocar em causa a perceção de confiabilidade.
  4. Ignorar a perceção externa da marca-país. Portugal goza, hoje em dia, de uma boa reputação em setores como turismo, vinho, agroalimentar ou calçado. Mas em muitas regiões, a marca-país é pouco conhecida. Não trabalhar esta perceção pode ser um erro.
  5. Descurar o apoio institucional e financeiro disponível. Muitas empresas ignoram os mecanismos de apoio (como o Portugal 2030, EEN ou instrumentos do BEI) por falta de conhecimento ou recursos internos para os mobilizar.

 

 

O que fazer: roteiro prático para diversificar exportações

  1. Reavaliar o portfólio atual
  • Quais os mercados que mais pesam? Quais estão em risco? Quais têm margens mais baixas?
  • Usar métricas como volume, margens, risco-país e custos logísticos.
  1. Identificar mercados com sinergias naturais
  • Usar ferramentas como a Matriz de Atratividade vs Capacidade (BCG) ou Análise SWOT cruzada por mercado (já exploradas na prática aqui no Blog).
  • Considerar mercados que valorizam atributos semelhantes aos dos produtos portugueses.
  1. Estabelecer critérios de seleção claros
  • Ex: Estabilidade política, proximidade cultural, acessibilidade logística, grau de regulação, existência de concorrência local.
  • Aplicar um sistema de scoring (peso relativo por critério).
  1. Adaptar a proposta de valor
  • Rever comunicação, packaging, canais e argumentário comercial.
  • Incorporar elementos de diferenciação com base em valores locais (qualidade, sustentabilidade, design, origem, etc).
  1. Procurar parceiros locais ou canais digitais relevantes
  • Apostar em modelos de entrada indireta (agentes, distribuidores, marketplaces B2B) para mitigar risco inicial.
  • Usar plataformas como Alibaba, Faire, Ankorstore ou Amazon Business.
  1. Investir em inteligência de mercado
  • Acompanhar relatórios de instituições como ITC, WTO, OCDE, Banco Mundial, AICEP e AEP.
  • Usar fontes como o Market Access Database da UE.
  1. Acionar apoios públicos e redes institucionais
  • Participar em missões empresariais, feiras internacionais, eventos de networking e programas de internacionalização.
  • Estabelecer ligações com câmaras de comércio bilaterais e associações sectoriais.
  1. Medir e reajustar com agilidade
  • Definir KPIs claros: leads geradas, taxa de conversão, custo por mercado, margem contributiva.
  • Rever estratégia a cada 6-12 meses com base em resultados e feedback local.

Agir com visão, foco e disciplina

Diversificar mercados não é um luxo, é antes uma necessidade e uma obrigação. Num contexto global em que as cadeias de valor estão a ser redesenhadas, a estabilidade geopolítica é incerta e as preferências dos consumidores mudam com rapidez, as empresas portuguesas precisam de agir com maior sofisticação estratégica.

A boa notícia é que Portugal tem uma imagem externa positiva, produtos de qualidade e talento exportável. A condição crítica é passar da intenção à ação, com foco e consistência.

A diversificação de mercados não é apenas uma estratégia teórica; é uma realidade prática para muitos setores da economia portuguesa. Vejamos como as indústrias metalúrgica, têxtil e do calçado têm implementado esta abordagem:

Setor metalúrgico e metalomecânico em 2023, as exportações da indústria metalúrgica e metalomecânica atingiram um recorde de 24.017 milhões de euros, representando um aumento de 4,3% face a 2022. Este crescimento deve-se, em parte, à diversificação de mercados, com empresas a expandirem as suas operações para além dos destinos tradicionais, explorando oportunidades em países como os EUA, Canadá e mercados africanos. A AIMMAP tem promovido ações concretas de internacionalização com enfoque em mercados fora da UE, reforçando a capacidade comercial das empresas associadas.

 

 

Indústria têxtil e do vestuário – a indústria têxtil e do vestuário portuguesa tem apostado na diversificação através da inovação e da entrada em novos segmentos de mercado. Segundo a ATP, há uma tendência crescente para o desenvolvimento de produtos técnicos e funcionais, destinados a setores como a mobilidade (automóvel, aeronáutica e construção naval) e o habitat. Além disso, a indústria tem explorado novos mercados, incluindo países da América Latina e do Sudeste Asiático, para reduzir a dependência dos mercados europeus tradicionais. A criação de consórcios exportadores tem sido uma prática comum para partilhar risco e aumentar presença internacional.

Indústria do calçado – a indústria portuguesa do calçado tem sido um exemplo de sucesso na diversificação de mercados. Em 2024, Portugal exportou 67 milhões de pares de calçado para todo o mundo. A APICCAPS tem promovido campanhas de internacionalização, como a “Portuguese Shoes: Designed by the Future”, que visam posicionar o calçado português em mercados emergentes e de alto valor acrescentado. Estas iniciativas têm permitido às empresas do setor reduzir a dependência de mercados tradicionais e explorar novas oportunidades de crescimento, nomeadamente nos EUA, Japão e Coreia do Sul.

O desafio está lançado: diversificar, testar, aprender, ajustar e crescer. Porque esperar por melhores condições pode ser o maior risco de todos. Ou seja, não correr riscos pode ser o maior risco. E não decidir também é uma decisão. Lembrando sempre planos de contingência e de mitigação de riscos, como aconselhamos em alguns textos neste espaço de partilha e reflexão com os exportadores portugueses.

Nas palavras de Peter Drucker: “A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo”.

Portugal tem tudo para criar o seu futuro internacional. Comecemos hoje.

 

Autor: equipa do blog do BOW

Maio 2025

Este artigo faz parte do Projeto BOW 2024/2025.