Do soft power ao smart power

Durante décadas, Portugal beneficiou de uma imagem externa positiva: país seguro, culturalmente rico, com forte integração europeia e capacidade de diálogo diplomático. Este “soft power” tem sido valorizado em diplomacia clássica, mas revela-se cada vez menos eficaz num contexto internacional dominado pelo pragmatismo económico, pela multipolaridade e pela competição geoestratégica.

As novas potências emergentes, como a China, Índia, Turquia ou Emirados Árabes Unidos, já não negociam com base na afinidade ideológica ou em narrativas culturais. Procuram valor mensurável, acesso estratégico a mercados, segurança alimentar e tecnológica, acordos com impacto direto nas suas balanças comerciais e formas de cooperação económica que ofereçam retorno concreto e rápido. Estas potências exigem clareza, compromisso e reciprocidade. A diplomacia moderna está, por isso, a ser redesenhada: tornou-se mais bilateral, mais pragmática, orientada para objetivos comerciais e cada vez mais competitiva. Quem não apresentar propostas tangíveis, perde relevância à partida.

Neste contexto, Portugal precisa de evoluir de um soft power passivo para um smart power económico, que combine presença diplomática com inteligência económica, capacidade de execução e protagonismo internacional em áreas de valor.

A par desta transformação, importa reconhecer uma mudança estrutural nas dinâmicas internacionais: o declínio da eficácia do multilateralismo clássico. As grandes organizações multilaterais continuam a ter um papel essencial, como já explicamos noutro artigo aqui do Blog, sobretudo na mediação de conflitos, definição de regras e promoção de princípios universais. Contudo, os seus processos são frequentemente lentos, politizados ou bloqueados por vetos cruzados, o que dificulta respostas ágeis às exigências do comércio global e dos investimentos estratégicos.

Isso explica por que razão os acordos bilaterais estão a ganhar relevância (ver, como exemplo, a guerra económica entre a China e os EUA). São mais rápidos de negociar, mais adaptados à realidade de cada país e permitem avanços concretos em áreas como mobilidade, dupla tributação, propriedade intelectual ou cadeias de fornecimento.

Apesar de Portugal ser um defensor convicto do multilateralismo, e na nossa opinião deve continuar a sê-lo, a sua diplomacia económica precisa de reforçar o braço bilateral. Trata-se de complementar, não substituir. De usar a via bilateral como alavanca para abrir mercados e apoiar as empresas, sem abdicar dos valores e compromissos multilaterais que definem a nossa identidade externa., que combine presença diplomática com inteligência económica, capacidade de execução e protagonismo internacional em áreas de valor.

 

 

O que não fazer: limitações da diplomacia económica tradicional

  1. Confiar excessivamente em instrumentos multilaterais lentos ou bloqueados
    Instituições como a OMC ou a ONU têm perdido eficácia, fruto de impasses políticos e rivalidades entre blocos. Esperar por acordos multilaterais é hoje uma estratégia demasiado lenta.
  2. Separar diplomacia de negócio
    Ainda há muitas missões diplomáticas com pouca ligação à realidade económica e comercial. A diplomacia deve ajudar empresas a aceder a mercados, proteger interesses estratégicos e identificar oportunidades.
  3. Focar a diplomacia apenas em “grandes potências”
    Oportunidades concretas existem em mercados intermédios, como o Sérvia, Colômbia, Marrocos, Cazaquistão ou Quénia. Ignorá-los é desperdiçar canais alternativos de projeção e negócio.
  4. Subaproveitar a marca Portugal como vantagem competitiva
    Portugal é bem visto em muitos mercados, mas não capitaliza essa imagem em favor de produtos, empresas e investimento. Falta ligação entre diplomacia, marca-país e proposta de valor.

O que fazer: construir uma diplomacia económica moderna e eficaz

  1. Transformar embaixadas em hubs de inteligência económica
  • Equipas diplomáticas com formação em negócio, sector exportador e atração de investimento.
  • Missões permanentes que monitorizam oportunidades por setor, com KPIs e resultados mensuráveis.
  1. Integrar AICEP, câmaras de comércio e embaixadas em planos de mercado comuns
  • Operar com planos conjuntos por país, com objetivos partilhados e divisão de responsabilidades.
  • Melhor coordenação com associações sectoriais e redes empresariais no terreno.
  1. Usar Portugal como plataforma de valor europeu
  • Posicionar o país como entrada segura e eficiente no mercado da UE, com acesso a financiamento europeu, logística de qualidade e especialização em nichos de produção.
  • Promover clusters de referência (energia verde, têxteis técnicos, indústria alimentar, tecnologias do mar).
  1. Criar “embaixadores empresariais” por setor
  • Executivos, empreendedores e peritos que representam Portugal em eventos internacionais, com apoio institucional.
  • Modelos semelhantes ao Business France ou Enterprise Ireland.
  1. Investir em storytelling económico e diplomacia de conteúdo
  • Gerar narrativas positivas com base em casos de sucesso portugueses em mercados difíceis.
  • Apostar em campanhas digitais, publicações, parcerias com media internacionais e presença em rankings globais.

Exemplos de ação prática

  • Singapura criou uma diplomacia focada em tecnologia e hub financeiro, com diplomatas treinados em regulação e inovação.
  • Irlanda posiciona-se como “país-sede” europeu de multinacionais tecnológicas, com diplomacia centrada em fiscalidade e talento.
  • Marrocos usou a diplomacia económica para atrair investimento industrial europeu e asiático, explorando o seu estatuto de parceiro privilegiado da UE.

Portugal pode inspirar-se em todos, adaptando aos seus pontos fortes.

 

 

O futuro constrói-se com presença económica real

Portugal não precisa de uma diplomacia com mais cerimónia. Precisa de uma diplomacia com mais impacto.

Num mundo onde as alianças são cada vez mais transacionais, a influência é medida pela capacidade de atrair investimento, facilitar exportações, apoiar as empresas no terreno e criar presença duradoura.

A diplomacia económica é o elo que falta entre a reputação do país e a competitividade das suas empresas. Mas para funcionar, precisa de:

  • Visão estratégica de longo prazo,
  • Integração com os setores chave da economia,
  • Métricas de impacto e accountability,
  • Talento com formação em negociação internacional, cultura de mercado e diplomacia comercial.

Se Portugal quiser crescer com sustentabilidade, estabilidade e protagonismo, tem de se posicionar não apenas como um bom destino, mas como um parceiro estratégico com valor económico claro.

O mundo não espera. Quem tiver capacidade de influenciar com valor, lidera. Quem não estiver presente, pode desaparecer.

Portugal tem tudo para liderar em nichos do futuro. Precisamos de uma diplomacia económica de nova geração. Se o vamos conseguir, vai depender do que seja feito no presente, e não no futuro.

 

Autor: equipa do blog do BOW

Maio 2025

Este artigo faz parte do Projeto BOW 2024/2025.