Sebastião Feyo de Azevedo, Reitor da Universidade do Porto
Publicado originalmente na revista BOW (2018)
A evolução da internacionalização das universidades portuguesas nos últimos 50 anos pode e deve ter como referência a ação decisiva de duas personalidade nacionais e duas grandes iniciativas, interligadas, que, tendo tido a sua génese na Europa, deram origem a processos e movimentos que são hoje absolutamente globais.
É de justiça lembrar a herança extraordinária de José Veiga Simão que, primeiro como Reitor da Universidade de Lourenço Marques, na segunda metade dos anos sessenta, e depois enquanto Ministro da Educação Nacional, entre 1970 e 1974, teve a visão e capacidade de dar um impulso decisivo a uma política e um programa que levou muitos assistentes jovens a doutorarem-se em países mais desenvolvidos (principalmente Grã-Bretanha, França, Alemanha e Estados Unidos). Um início sério da preparação dos recursos humanos necessários para capacitar as universidades portuguesas para a cooperação internacional. É igualmente de justiça lembrar a herança de José Mariano Gago, que, com outra dimensão de meios materiais, fruto da nossa integração Europeia, teve a visão e capacidade de dar um impulso decisivo a uma política e um programa de expansão extraordinária da nossa investigação, particularmente entre 1995 e 2010, aliás tendo como atores no terreno muitos dos doutorados que beneficiaram da política de Veiga Simão.
As duas iniciativas supramencionadas, de que fomos (temos sido) parceiros ativos, estão obviamente associados à nossa viragem para o modelo democrático ocidental, em particular à nossa integração na União Europeia, a qual não só nos trouxe financiamentos vitais para a criação de infraestruturas competitivas, praticamente inexistentes no início dos anos 80, como também nos abriu a porta para a cooperação universal. Refiro-me ao Programa ERASMUS, não só, mas principalmente de promoção da mobilidade de estudantes, lançado pela União Europeia em 1987, e ao Processo de Bolonha, o maior movimento organizado da história da Humanidade, associado às universidades, com o objetivo de promover a mobilidade estudantil a nível do ensino superior e a produção de conhecimento, lançado formalmente em 19 de junho de 1999 por 19 países, em Bolonha (daí a designação), hoje contando com 48 países aderentes.
Não é despiciendo notar que estes movimentos se iniciaram ainda em plena Guerra Fria, em anos de intensa atividade política na Europa, em resultado da visão de alguns dirigentes europeus dos anos 70 e 80 do Século XX que anteciparam a evolução irreversível para um mundo global. E os seus objetivos ganharam ainda mais dimensão na sequência da evolução política que levou à implosão do bloco soviético, simbolizada na queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989.
Neste contexto, falar de internacionalização das universidades é hoje, essencialmente, falar da capacidade de cooperar competitivamente: de atrair talento no exterior, de promover a mobilidade académica, de participar em projetos internacionais de I&D, de integrar as redes globais do conhecimento, de captar financiamento internacional e de promover ou acolher empresas globais no ecossistema empreendedor. Noutra perspectiva, é falar da missão universal das universidades plasmada na Magna Charta das Universidades, subscrita em 18 de Setembro de 1988 por 388 reitores de universidades de todo o Mundo, na ocasião das comemorações do 900.º aniversário da Universidade de Bolonha. O conhecimento não tem fronteiras ou paredes, não tem barreiras. É, por excelência, o ‘bem’ promotor do desenvolvimento humano à escala global.
Para atrair talento internacional, as instituições devem oferecer um ensino de qualidade percebida pela sociedade, adaptado ao conhecimento de hoje, às expetativas socioculturais dos estudantes e aos desenvolvimentos dos instrumentos pedagógicos da era digital em que vivemos. Como devem ser reconhecidas na sua capacidade de investigação. Como, ainda, devem promover a transferência de conhecimento com visão de exportação de negócio.
Para cooperar, as universidades têm necessariamente que desenvolver as suas atividades com qualidade aferida a critérios internacionais, reconhecidos pelos parceiros. Nessa medida, a dimensão da internacionalização é um indicador muito fidedigno da qualidade e da relevância da atividade das universidades.
A internacionalização da U.Porto
A internacionalização é claramente uma prioridade da U.Porto, como os factos e números que apresenta nessa área o revelam.
Falando essencialmente da componente da formação académica, nos últimos 10 anos a Universidade do Porto mais do que duplicou o número de estudantes internacionais que recebe. Passamos de cerca de 1900 estudantes, em 2006/2007, para cerca de 4200 em 2016/2017 (de mais de 130 países). Participamos nos últimos 9 anos, até hoje, em 72 consórcios internacionais, envolvendo quase um milhar de universidades dos cinco continentes. Somente em 2017 a U.Porto teve aprovados 24 projetos ERASMUS+, abrangendo mais de 90 países e mais de 800 instituições dos cinco continentes, no quadro dos quais foram concedidas mais de 1500 bolsas (das quais 220 para países externos à UE), num esforço financeiro superior a 12 milhões de euros, em que 5,5 milhões dos quais estão a ser geridos pela U.Porto.
Estes resultados são fruto de uma estratégia bem sucedida que foi distinguida recentemente a nível nacional e internacional com a atribuição do “Prémio Excelência em Inovação na Internacionalização”, pela European Association for International Education (EAIE), recebido no seu Congresso, em Liverpool, em setembro de 2016, e a atribuição do “Prémio Nacional de Boas Práticas – Projeto Inovador 2016”, pela Agência Nacional Erasmus.
No plano da valorização do conhecimento a U.Porto é responsável por um ecossistema empreendedor muito dinâmico. Com dez anos de existência, o UPTEC é o maior parque universitário de ciência e tecnologia português. Conta com mais de 50 empresas já graduadas, mais de 190 projetos de incubação e inovação apoiados, mais de 2.300 postos de trabalho criados e um impacto no PIB superior a 80 milhões de euros, com uma atividade exportadora para mais de 120 países. Acresce que o UPTEC acolhe centros de inovação de empresas multinacionais, como a Alcatel Lucent, a Altran, a HPS, o Instituto Fraunhofer ou a Vodafone.
Estes são, muito sumariamente, factos e números de uma estratégia de missão. Deles, percebe-se o potencial da U.Porto para captar financiamento internacional, produzir riqueza, promover a criação de emprego, apoiar as exportações. Um potencial que, no caso de Portugal, pode ser exponenciado se forem mitigados não só os constrangimentos legais e culturais de organização orgânica e de governação, de que as instituições ainda não se libertaram, como também os constrangimentos financeiros e burocráticos a que têm sido sujeitas.
À universidade é hoje exigida uma abertura total ao exterior e uma especial sensibilidade perante as grandes questões contemporâneas, para as quais deverá procurar respostas ao nível epistemológico. É hoje claro que as instituições do ensino superior têm de funcionar num contexto radicalmente novo, caracterizado por uma retração na disponibilidade de verbas públicas, pela exigência de avultados investimentos em I&D, pela urgência de acompanhar a evolução social, cultural e tecnológica, pela forte competição internacional (nomeadamente por financiamento), pela necessidade de atrair talento a nível global, pelos desafios que as tecnologias digitais colocam ao processo formativo.
Desafios globais, a que temos sabido responder e continuaremos a responder.