Mais de 40 mil empresas portuguesas já exportam bens ou serviços, mas apenas uma minoria cresce de forma consistente e mantém-se nos mercados externos por mais de cinco anos. Entre 2013 e 2023, o número de exportadoras aumentou 32 %, mas a taxa global de empresas que exportam continua estagnada em aproximadamente 11 % do tecido empresarial nacional (hipersuper.pt). Ou seja, entrar não é o problema; o desafio é permanecer e escalar (consistência).
Os estudos internacionais aos quais tivemos acesso convergem num ponto-chave: a qualidade da estratégia e dos recursos é necessária, mas não suficiente. A diferença crítica reside na mentalidade (mindset) das equipas de gestão Segundo a OCDE, as PME que investem em aprendizagem contínua, visão de longo prazo e redes de inovação exportam em média 29% mais do que os seus pares com idênticos recursos (read.oecd.org).
A última edição do Global Entrepreneurship Monitor confirma o outro lado da moeda: o medo de falhar voltou a subir para 49% dos empreendedores mundiais e está fortemente associado ao abandono precoce dos mercados externos (gemconsortium.org).
Este artigo aprofunda os seis traços de mentalidade que distinguem os “campeões de exportação” portugueses e internacionais, compara-os com as empresas que recuam à primeira adversidade e oferece um roteiro prático para incorporar esses traços na cultura da organização.
- Visão de longo prazo Vs foco táctico
Empresas que permanecem nos mercados externos dedicam entre 30% e 40% do tempo da direção a iniciativas plurianuais: posicionamento de marca, propriedade intelectual, certificações ESG, modernização de fábrica ou upgrades de ERP. Esse investimento antecipa barreiras de entrada futuras, protege margens e cria ativos intangíveis difíceis de copiar.
Muitas das PME portuguesas não carecem de visão, carecem de indicadores que liguem visão a objetivos anuais. Quando a estratégia é reduzida a objetivos de faturação trimestral, qualquer atraso logístico ou desvalorização cambial transforma-se numa crise existencial. Os campeões definem OKR (Objective Key Results) de longo prazo (ex.: quota de mercado, NPS, % de vendas com elevada margem) e revêm-nos mensalmente com a equipa, ligando cada tarefa diária a essa ambição.
- Organização orientada a dados Vs decisões por “feeling”
Os exportadores de alto desempenho conjugam dados externos (ITC Trade Map, Eurostat, UN Comtrade, relatórios AICEP, mentorings do BOW), com analytics internos de CRM e ERP. Em vez de dependerem de importadores/distribuidores locais ou feiras, medem volumes de importação, preços médios, barreiras tarifárias e grau de concorrência, criando rankings de atratividade.
Decidir com base apenas em dados internos dá uma visão retrospetiva; depender só de dados macro externos ignora a viabilidade operacional real da empresa. A maturidade nasce da convergência de ambos. As empresas que crescem recrutam ou formam perfis “híbridos” (anaálise comercial + gestor de conta) e produzem “one-pagers” de inteligência de mercado antes de cada decisão de rota ou parceiro.
- Resiliência processual Vs reação ad-hoc
Resiliência não se resume a garra ou motivação; deveria ser um procedimento pré-escrito. Os campeões de exportação mantêm planos de contingência cambial (contratos a prazo, contas em moeda local), logística (transportadores alternativos, inventário em buffer) e financiamento (linhas de crédito pré-negociadas com bancos de desenvolvimento). Quando a COVID-19 suspendeu voos de carga, estas empresas ativaram rotas marítimas e e-commerce local sem paralisar.
A documentação parece ter um preço elevado até ao dia em que é essencial. Um “playbook de crise” de 10 páginas com matrizes RACI, contactos críticos e procedimentos de aprovação pode poupar meses de faturação. E é barato face ao custo de aprender durante um contexto adverso.
- Curiosidade cultural Vs projeção doméstica
A diferença não é só traduzir o website (vários idiomas). As empresas resilientes reconhecem o “custo da ignorância cultural”: proposta de valor desalinhada, prazos de pagamento incompatíveis ou branding ofensivo podem matar negócios. Por isso, fazem investimentos menores, mas mais cirúrgicos: empregam country managers nativos, adaptam embalagens às normas de rotulagem locais, treinam equipas em negociação intercultural e implementam “cultura-labs” mensais para partilha de casos.
Muitas das PME portuguesas ainda assumem que a proximidade linguística resolve a equação. No Brasil, por exemplo, processos de homologação pública exigem documentação jurídica em português local e representantes fiscais; em Angola, a gestão de perceção de risco (“Portugal exporta caro”) requer storytelling de valor. Curiosidade cultural deixa de ser uma soft skill, e passa a ser um requisito regulatório e de marketing.
- Liderança growth-oriented Vs defesa do status quo
Num estudo da McKinsey com 500 executivos, as empresas que superam os seus pares em crescimento alinham cinco mindsets: crescimento como prioridade, ação ousada, foco no cliente, talento global e disciplina de execução. O CEO dos campeões trata a exportação como o caminho normal de expansão, não como opção “B”. Revê pessoalmente o pipeline internacional, celebra vitórias de learning (não apenas de faturação) e faz “shadowing” em visitas a feiras ou clientes-chave para modelar comportamento.
Não basta um e-mail motivador a pedir “mais internacionalização”. A liderança deve demonstrar skin in the game: viajar, negociar, assumir indicadores de margem internacional como um KPI pessoal e redistribuir orçamento de mercados maduros para emergentes, sinalizando o que de facto é valioso e importante (first things first).
- Ecossistema colaborativo Vs isolamento
Os exportadores de sucesso participam ativamente em projetos e ações conjuntas da AICEP, do BOW, da Enterprise Europe Network, de clústeres setoriais (TICE.PT, Health Cluster Portugal) e em plataformas de procurement (TED, UNGM). Ganham assim “economias de informação”, descobrem co-parcerias (competem e cooperam em diferentes mercados com os seus parceiros), partilham custos de prospeção e multiplicam a sua credibilidade. Note que ser citado pela banca multilateral como fornecedor já aprovado vale mais do que qualquer brochura.
Muitas PME identificam as feiras e as missões apenas como uma despesa. Os campeões avaliam o ROI em ciclos de 18-24 meses, planeiam match-making prévio, agendam reuniões via embaixadas locais e entram em consórcios a 50-50 para diluir o risco. Preferem dividir um contrato de 4 M€ a falhar sozinhas um de 1 M€.
Quadro-síntese
| Dimensão | Campeões de exportação | Desistentes |
| Horizonte temporal | 30% + de recursos em iniciativas plurianuais | Tática trimestral sem buffers |
| Gestão de decisão | Dados combinados (externos + internos) | Feeling e “first come, first served” |
| Resiliência | Planos escritos de risco e backup logístico | Resposta ad-hoc a cada crise |
| Adaptação cultural | Marketing, pricing e protocolo locais | “Copy-paste” da oferta doméstica |
| Liderança | Mindsets growth praticados no dia-a-dia | Discurso inspirador sem execução |
| Redes e parcerias | Participação ativa em consórcios e programas | Atuação isolada |
Roteiro para internalizar a mentalidade exportadora
- Diagnosticar o estado atual — usar um questionário anónimo com as seis dimensões; pontuar de 0 a 5.
- Definir metas de longo prazo — volume, margens e diversificação por região a cinco anos.
- Estabelecer rituais de dados — painéis mensais de mercado, reuniões “no blame” de lições aprendidas.
- Codificar processos de resiliência — políticas de hedge cambial e acordos de logística redundante.
- Formar “embaixadores culturais” internos — colaboradores bilingues responsáveis por decifrar normas locais.
- Treinar liderança em growth mindset — workshops com indicadores de conversão entre intenção e ação.
- Alargar ecossistema — inscrever-se em licitações (TED, UNGM), hubs BOW e programas de inovação conjuntos.
Portugal já demonstrou capacidade de competir globalmente, mas a estatística de 11% de exportadores ativos não mudará apenas com linhas de crédito ou incentivos fiscais. O verdadeiro divisor de águas é a mentalidade organizacional: visão de longo prazo, disciplina em dados, resiliência processual, curiosidade cultural, liderança orientada a crescimento e integração em ecossistemas globais.
Sem estes seis pilares, talento e produto ficam sub-otimizados e a exposição inicial converte-se em retração (o fenómeno “vai-e-volta” que tantas PME relatam). Com eles, mesmo choques como controlo de exportações, barreiras regulatórias ou flutuações cambiais tornam-se oportunidades de aprendizagem e não de desistência.
O desafio não é descobrir segredos guardados por consultoras internacionais; é aplicar com método aquilo que a evidência já demonstra e como tentamos esclarecer neste artigo do BOW. A mudança de mentalidade é simultaneamente o investimento mais acessível e o mais transformador no caminho da internacionalização das empresas portuguesas.
Autor: equipa do blog do BOW
Junho 2025
Este artigo faz parte do Projeto BOW 2024/2025.



