Há muitas previsões de como esta pandemia irá, eventualmente, mudar o mundo para sempre, mas será mesmo assim?
Ainda estamos a meio – talvez até nos primeiros dias – da pandemia do covid-19. E, na expansão para mercados internacionais, é mais importante ler os dados e as tendências do que decidir com base em profecias.
A verdade é que o vírus, ou melhor, as reações dos governos à crise de saúde pública, expôs a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento globais em muitos setores, interrompendo o fluxo de importações críticas para a Europa e Estados Unidos da América (EUA).
Lembramos que a guerra comercial entre a China e os EUA já estava a provocar uma queda no comércio internacional de bens, levando ao aparecimento de movimentos de desglobalização.
O termo desglobalização, como em parte já refletimos noutro artigo aqui no blog do BOW, é utilizado para descrever uma redução ou quebra na interdependência entre as economias, culturas e populações mundiais, que inclui o movimento transfronteiriço de bens, serviços, pessoas, informação e tecnologia.
Neste artigo o que nos preocupa mais são as questões económicas e tudo o que isso pode implicar no comércio internacional de bens, e como isso pode afetar a economia portuguesa e as empresas exportadoras que apoiamos.
Esta pandemia corre o risco de impulsionar as forças de desglobalização, para além das tensões entre os dois blocos – EUA e China. Embora esse movimento já estivesse em curso antes da pandemia chegar. Na verdade, ver imagem mais abaixo, o processo de desglobalização começou logo após a crise financeira global (2008-2010).
A pandemia pode ser um acelerador para o aumento do nacionalismo, com protecionismo e movimentos contrários ao outsourcing (deslocalização de produção em mercados mais competitivos), expondo as vulnerabilidades de longas cadeias de abastecimento, especialmente quando se trata de questões de saúde pública e segurança nacional.
Estes movimentos levarão a mudanças na forma como a economia global funciona, como já se vislumbra na produção de produtos e equipamentos de saúde essenciais, entre outros (veja-se a dependência da Europa em mais de 80% da Ásia nas cadeias globais de saúde).
Os fundamentos de um mundo globalizado não deverão sofrer grandes alterações e isto porque:
- A indústria de tecnologia da Europa e dos EUA depende de vendas e operações globais – a dependência da escala de consumo, e respetivas receitas em vendas, nos mercados asiáticos é enorme e necessária
- A desglobalização não vai trazer industrias, anteriormente deslocalizadas para a Ásia, de volta à Europa ou aos EUA – são décadas de construção de redes internacionais de produção, vendas e distribuição que alavancam os diferentes pontos fortes de cada local em que produzem, fortalecendo paradoxalmente a sua posição competitiva na origem em investigação e desenvolvimento
- A China continua a ter uma estratégia ativa de globalização – pois há um reconhecimento de que está a perder produção de mão-de-obra barata para o sudeste da Ásia e Europa Oriental, assim como uma desaceleração do consumo doméstico
- A desglobalização e o protecionismo das economias soam bem até que seja necessário desenvolver e lançar um produto num mercado muito competitivo – fabricar todos os componentes num mesmo mercado faz com que o preço final do produto fique quase impossível de praticar em competição direta num mercado global. A globalização cresceu nas últimas décadas porque criou valor nas capacidades internas de uma empresa, para além de aumentar o foco na sua especialidade
Embora muitos países tenham anteriormente criticado a guerra económica entre os EUA e a China, a pandemia veio politizar a cooperação internacional e tem empurrado países e blocos económicos a se tornarem mais autossuficientes. E esta tendência só vai enfraquecer a recuperação económica, assim como o comercio mundial de bens e serviços.
A globalização traz mais crescimento para todos no médio e longo prazo do que os movimentos contrários. É quase um paradoxo!
O achatamento do crescimento das cadeias de valor globais é uma das razões mais importantes por trás da desaceleração do comércio global. Veja-se, como exemplo, o peso das exportações chinesas sobre o PIB que caiu de 36% (2008) para 18% (2018).
Ou, nos últimos anos, a imposição de tarifas sobre as importações nos EUA de vários bens e serviços, que levam à propagação do protecionismo como retaliação (China e Europa) – o resultado liquido é uma redução no comércio bilateral não somente entre os EUA e a China, mas também noutras economias.
Uma coisa parece certa pela análise dos dados – embora a desglobalização já fosse uma certeza, a pandemia acelerou esse processo.
O que é pior para todos é que este processo está a acontecer num ambiente de reduzida cooperação internacional. A pandemia expôs vulnerabilidades de dependência das cadeias de abastecimento que se diziam eficientes em vez de serem resilientes.
Esta crise também aumentou o foco na desglobalização relacionada com as preocupações de saúde pública e segurança nacional. As retaliações e invocação de chamadas reciprocidades na diplomacia internacional estão, hoje, mais politizadas e são utilizadas como instrumentos políticos.
A escalada desta crise vai levar os países a olhar com mais atenção para o seu mercado doméstico levantando novas barreiras, sejam elas tarifárias e não tarifárias, podendo dar origem a uma espiral de negociações e retaliações (ver imagem que ilustra bem este exemplo).
Embora se reconheçam as falhas da globalização, qualquer tendência para a pandemia da desglobalização pode balançar o pêndulo longe demais no aprofundamento económico e político.
A instabilidade atual pode levar décadas para ser revertida. O caminho deve ser sempre a cooperação no pensamento geoestratégico de crescimento da riqueza mundial e, também, a sua distribuição mais justa em modelos colaborativos.
Autor: Equipa de conteúdos do BLOG do BOW @08,2020