Quando as previsões de procura não são suficientemente específicas para serem integradas nas cadeias de abastecimento, a resposta do lado da oferta (produção e distribuição) não se pode ajustar de forma rápida ou eficiente.

E, assumidamente, durante os vários lockdowns foram feitos muitos experiencialismos económicos!

E como há relativamente pouca folga nas cadeias de abastecimento globais, estes grandes desvios dos valores padrão produziram respostas atrasadas e desfasadas, provocando escassez e estrangulamentos como os que estamos a viver atualmente.

A Cadeia de Abastecimento de uma empresa é uma rede complexa composta entre a empresa e os seus vários fornecedores (nacionais e internacionais). Uma Cadeia de Abastecimento global é uma rede formada entre um conjunto de empresas produtoras de bens finais disponibilizados globalmente e os seus fornecedores de matérias-primas e bens intermédios. Dai a problemática do que estamos a viver. Pois estamos todos conectados, seja pelos movimentos e tendências de globalização ou de “desglobalização.

As interrupções nas cadeias de abastecimento globais podem prejudicar seriamente a recuperação da economia global.

A atual situação é estranha e complexa, envolvendo algumas variáveis difíceis de controlar. Os tipos de produtos e serviços afetados por atrasos ou mesmo escassez (e são muitos) – incluindo uma ampla gama de bens intermediários, de commodities a semicondutores, assim como os produtos finais que dependem deles – assemelham-se ao que veríamos numa economia próxima de um cenário de guerra.

Algumas entidades internacionais de referência têm vindo a manifestar preocupações com o impacto das restrições nas cadeias de abastecimento sobre o comércio internacional, mas agora manifestam ainda mais preocupações ao perceberem que essas restrições podem não ter um caráter transitório, e sim tornar-se persistentes nos próximos anos.

A questão é que esta disrupção e volatilidade não está, para já, longe do fim como se antecipava para o ano de 2022.

Estamos mesmo a viver pressões inflacionistas que podem não ser temporárias. Veja-se a inflação na Zona Euro em máximos das últimas décadas. Ao qual devemos juntar as questões dos combustíveis e da energia. Pode mesmo ser uma tempestade perfeita para a indústria e para o comércio internacional.

E julgamos que neste momento não há um esforço global combinado (entre economias e os blocos económicos) para garantir o bom funcionamento da rede mundial de logística e transporte.

No primeiro trimestre de 2021 projetou-se um crescimento acelerado, e os especialistas esqueceram-se de soar o alarme de que a oferta não iria conseguir acompanhar esse aquecimento da economia e da procura. Alguns macroeconomistas com relevância alertaram que a combinação de política monetária (juros baixos e impressão desenfreada de moeda), saldos elevados de poupança das famílias e procura reprimida aumentariam significativamente o risco de inflação.

Parece agora claro que, por um período significativo, o crescimento económico global (que nos interessa sobremaneira para os exportadores portugueses) será restringido pela oferta. E é interessante ver o que estes movimentos contrastam com os anos após a crise financeira global de 2008.

Há então três questões fundamentais que devemos e podemos colocar para ter mais repostas ao momento atual::

(1) Existem restrições de oferta que persistirão mesmo depois de eliminados os bloqueios relacionados com a pandemia?;

(2) Há algo sobre a configuração e o funcionamento das cadeias de abastecimento globais que afeta a resposta do abastecimento?

(3) Estamos a viver apenas um desencontro momentâneo entre oferta e procura ou há mais fatores por trás desta crise logística?

Pode-se argumentar que a pandemia produziu mudanças permanentes (ou quase) em alguns dos fatores de oferta. Como exemplo muitos trabalhadores, com ligação a transporte marítimo e de mercadorias rodoviárias, abandonaram o mercado de trabalho ou adiaram a sua reentrada, apesar da reversão dos mecanismos de apoio à pandemia.

Mas os efeitos da oferta de trabalho são apenas uma parte desta história. Era claro que um aumento da procura estaria a caminho devido às restrições (a chamada “consumer revenge”). Então, porque as cadeias de abastecimento globais foram apanhadas, em certa medida, de surpresa?

Um dos motivos talvez fosse que a procura reprimida foi desencadeada antes da pandemia realmente terminar (e o enquadramento pandémico continua incerto…). Portanto, à medida que a procura aumentou, as interrupções relacionadas com a pandemia continuaram a afetar os principais portos internacionais e fabricantes, prejudicando a resposta do fornecimento.

Outro fator é que a procura parece ter aumentado para além da capacidade de pico de carga do sistema. A expansão dessa capacidade vai exigir investimento e, ainda mais importante, tempo. Mas, embora a capacidade de pico de carga seja crucial no que toca a variáveis como a eletricidade (que é difícil de armazenar), é menos importante para bens e mercadorias, cuja procura deve ser gerida com um sistema eficiente, que antecipe picos e distribua com eficácia os fluxos logísticos.

E é aqui que pode estar um problema. Pois, as redes globais de abastecimento, como estão atualmente constituídas, são complexas e descentralizadas, de forma a maximizar a eficiência e minimizar as perdas.

Embora esta abordagem funcione bem em tempos normais, ela não pode lidar com grandes choques ou perturbações (tempos anormais!). A descentralização, em particular, leva a um desinvestimento em resiliência, porque os retornos sobre investimentos privados são, aparentemente, muito menores do que os retornos ou benefícios de todo o sistema.

Outra consequência da descentralização é mais subtil e talvez mais facilmente explicada com uma analogia à previsão do tempo. Embora o clima seja o resultado de um sistema incrivelmente complexo e interconectado, a previsão tornou-se cada vez mais precisa ao longo do tempo, graças a modelos altamente sofisticados (data science e correlação inteligente das diferentes variáveis).

As redes globais de abastecimento são igualmente complexas. Mas, embora possamos ser capazes de antecipar tendências globais – como o aumento da procura – não há nenhum modelo ou conjunto de modelos que nos permita prever com alguma precisão como essas tendências podem afetar elementos específicos nas cadeias de abastecimento. Não temos como saber, por exemplo, onde os novos estrangulamentos podem ocorrer, muito menos como os muitos players do mercado devem ajustar o seu comportamento.

Outro ponto que deve ser considerado foram algumas das mudanças na estrutura das empresas de transporte que pioraram com o enquadramento pandémico: concentração considerável das empresas de transporte marítimo em três ou quatro grandes grupos (chamados alianças) que controlam 90% do mercado. Significa que a indústria é controlada por um pequeno número de grupos, que conseguem controlar a capacidade de transporte disponível, motivo pelo qual o número de navios caiu.

“Uma das questões a registar é que as empresas de transporte criaram navios mais eficientes para a sua própria operação (os chamados mega navios), mas não os mais eficientes para todo o sistema logístico”

Quando as previsões não são específicas o suficiente para serem integradas, o sistema não pode ajustar-se de forma oportuna, eficiente e eficaz. O sistema tem uma certa miopia, ou seja, só descobre os bloqueios quando eles ocorrem. E como há relativamente pouca folga, grandes desvios dos padrões normais produzem respostas atrasadas e falsas como as que sentimos hoje.

Ainda é difícil prever a estabilização do sistema no que se refere, por exemplo, aos preços das matérias-primas e transportes. No que toca aos exportadores portugueses, na maioria dos setores, não se deu o cancelamento de encomendas, mas sim o adiamento. Logo, originou uma grande concentração de encomendas – umas adiadas e outras novas – e o aumento nos transportes marítimos levou a que compradores europeus de geografias mais próximas, que compravam no Oriente, passassem a comprar mais na Europa.

Note-se que este enquadramento poderia prejudicar os exportadores portugueses (em certa medida afetou e ainda afeta). A questão é que quem poderia concorrer com preços mais baixos tem hoje dificuldade em colocar em Portugal produtos dado o aumento brutal do preço dos transportes marítimos (algumas rotas multiplicaram por cinco ou mesmo por dez em preço).

Em alguns setores, isso pode ser um amortecedor. Claro que tem o efeito contrário quando queremos diversificar exportações. Ou seja, a subida nos custos do transporte marítimo protege-nos da concorrência de geografias mais longínquas, mas também impede um maior crescimento de exportadores portugueses para geografias mais distantes. É paradoxal!

Precisamos então de melhores modelos para prever como as cadeias de abastecimento irão evoluir, incluindo as suas prováveis ​​respostas aos choques. Essas previsões precisam de estar publicamente disponíveis para que todos os intervenientes do ecossistema logístico possam capturar dados, medir e adaptar-se.

Os atuais avanços em inteligência artificial e outras tecnologias poderiam ser a chave para melhores resultados. Mas uma grande cooperação internacional, com países a partilhar dados em tempo real gerados por redes da cadeia de abastecimentos, também seria necessária.

Um maior planeamento, cooperação e partilha de dados entre os vários atores e países pode ser o segredo – menos surpresas e mais certezas!

Autor: Equipa de conteúdos do BLOG do BOW @10,2021