Entrevista ao Eng. José Manuel Fernandes, Presidente da Frezite

Publicada originalmente na Revista nº7 BOW

Portugal ainda está na fase em que muitas empresas precisam e querem contratar mão de obra especializada em várias áreas, mas não a encontram em território nacional. Quais as razões?

Estamos a viver um período de atividade económica em expansão com crescimento económico positivo em todos os setores de atividade. Simultaneamente os setores de maior aplicação de conhecimento, know-how e com a utilização de RH de alta qualificação são os mais solicitados com prazos de resposta aos mercados menos competitivos, ou seja, com prazos mais longos.

Tudo isto nos contextualiza para uma maior procura de Recursos Humanos Qualificados. Por outro lado, com a especialização e capacidade de oferta de novos produtos e serviços aos mercados, a formação e procura faz-se cada vez mais com profissionais altamente qualificados. O programa de ajustamento da nossa economia em tempos da Troika deu um forte impulso para a saída de muitos RHQ para o exterior, que devido às suas qualificações tiveram uma imediata colocação no exterior e que hoje fazem falta no nosso país. Posso citar como exemplo, o mega setor Metalúrgico/Metalomecânico hoje tem um défice de cerca 22.000 profissionais qualificados e cerca de 2000 Engenheiros.

Entre as razões fortes desta falta de oferta está a incapacidade de ajustar a resposta em qualificação de RH à procura dos setores mais dinâmicos da nossa economia, porque uma forte componente do sistema está dependente do Estado e este falhou, mas não exclusivamente. A solução passa por um processo  dinâmico e exige planeamento e previsão antecipada da procura sobre a evolução dos clusters nacionais.

E quais as soluções?

As soluções têm de ser vistas num tabuleiro de multiplicidade de opções e ajustadas a uma análise setorial e aos clusters, ao seu posicionamento atual e perspetivas do potencial de crescimento no curto e médio prazo, sempre numa visão de potenciar as tendências da economia na procura e sua sustentabilidade.

O reforço orçamental do IEFP, para os centros protocolados, associado a um novo patamar de objetivos de resposta dos mesmos é caminho a fazer, ao mesmo tempo, o ajustamento sincronizado com um observatório da economia e dos cursos de formação universitária é uma necessidade. A descoordenação que ainda persiste de jovens formados em áreas sem qualquer saída profissional, é um desperdício porque com uma redução demográfica da população em curso, temos de pensar urgentemente neste desajustamento. Há outras duas áreas onde podemos recrutar que são os nossos profissionais que já referi, que saíram no tempo da TROIKA e que fazem parte da nossa diáspora e os refugiados que chegam ao nosso país, que podemos logo na sua receção, serem encaminhados para uma formação de qualificação profissional, num trabalho conjunto entre o SEF e o IEFP. Outra via para a formação profissional qualificante, são as empresas com uma certa dimensão, organizarem elas próprias academias internas para a formação, suprindo as necessidades em RHQ e ao mesmo tempo poderem formar para o mercado.

Este processo teria de passar por uma política de incentivos para a formação desta deriva na formação profissional qualificante, contudo, os resultados posso assegurar que seriam surpreendentes com certeza. Há empresas que já iniciaram este processo, com excelentes resultados.

No entanto, continua a haver empresários a defender que enquanto se formam jovens para o desemprego, não se abrem vagas para qualificações necessárias e que têm futuro. Concorda?

A formação de jovens em áreas de atividade profissional sem grande saída tem três origens. A primeira é o desajustamento da oferta por instituições que tem ainda um passado recente no ensino e persistem em ter cursos “fáceis” desajustados da realidade e que são diferenciadores, tão diferenciadores que atiram os jovens para um vazio de oferta de emprego.

A segunda é o baixo nível de qualificação no ensinar as matemáticas, em que o aluno por vezes é mais vitima do que culpado  levando-o para uma fuga para a frente  na escolha de um curso superior sem potencial de emprego. Estamos a caminhar a uma velocidade vertiginosa para uma sociedade com elevada componente tecnológica e isto está a acontecer numa influencia arrebatadora quer para profissionais quer para os coletivos, empresas e instituições de ensino e formação.

A terceira é a dinâmica de ajustamento da oferta à procura que é baixa, em particular para os quadros intermédios. Começamos a ver licenciados a exercerem nas empresas funções desajustadas para o seu nível profissional, pela falta de quadros intermédios. Este é um ponto critico para o desenvolvimento da nossa economia e sua sustentabilidade no futuro, pela própria dinâmica solicitada à expansão dos negócios nas empresas.

Parece-lhe uma critica às universidades e à formação que oferecem? Ou seja, há uma desadequação? Os números clausus deveriam ser revistos reforçando a entrada de jovens nas áreas de maior empregabilidade?

As universidades nos últimos tempos têm feito um caminho de ajustamento, até porque no ambiente criado entre universidades já se nota alguma competição, o que é salutar, para melhor responderem aos desafios do país, das suas sociedades, em diferentes áreas até na complementaridade dos seus programas.

A existência de numerus clausus para as diferentes ciências, nas diferentes universidades, tem uma matriz que provavelmente pode ser melhor ajustada à dinâmica do desenvolvimento e de novas áreas requeridas pelas sociedades, pela procura. Por outro lado, os equipamentos, a logística e corpos docentes tem limitações no dar resposta a essa dinâmica. O exemplo da alta procura de engenheiros, em que neste momento é insuficiente a resposta das universidades, é uma realidade redutora, insuficiência esta que também está associado o desequilíbrio no mercado de trabalho, a fraca oferta de quadros intermédios de alta especialização. Veja-se a solicitação de engenheiros informáticos para funções de programadores. Há também um défice estrutural curricular em certas áreas das ciências e seus profissionais, que também é gerador de desequilíbrios.

A questão da numerus clausus é hoje um tema muito mais abrangente, de uma estratégia que deve ser partilhada que tem de passar para fora do domínio exclusivo da universidade, tendo em conta a procura externa, os meios e ativos disponíveis e financiamento ao ensino universitário e politécnico.

Qual a estratégia, tendo em conta que há universidades pouco abertas a esta realidade, ou seja ainda muito fechadas no chamado “mundo académico”?   Qual a sua experiência em relação a esta situação?

Tivemos o privilegio e oportunidade de assistir à formação de novas universidades no nosso país e de acompanhar sua estratégia e resultados, o que foi e está a ser excelente para o país, para o seu desenvolvimento.

É inquestionável que as universidades que mais se abriram às sociedades, à economia empresarial, mais relações estabeleceram com congéneres de outros países, mais partilharam conhecimento em projetos internacionais comuns, foram as que mais evoluíram na ultima década. Quem está fechado num mundo académico não conhece o sabor prático da vitoria do conhecimento, porque só quem dá é que recebe verdadeiramente e se desenvolve. É de realçar que no ranking das 500 mais importantes universidades a nível mundial estão 4 universidades portuguesas. Quando refiro que as universidades têm de se abrir às sociedades, quero relevar que têm de ter mecanismos de partilha e de interesse mútuo e até de estratégia que inclua competência e ativos regionais, até para com os desafios regionais. A cooperação acordada no norte do país estabelecido entre as universidades do Porto, do Minho e de Trás-os-Montes é um exemplo de abertura, partilha e cooperação pelo conhecimento.

Hoje temos institutos vocacionados para fazerem a partilha da ciência através do desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e ao mesmo tempo terem tais instituições a serem fomentadoras do empreendedorismo, ou de investigação na solução de problemas desafiantes do ser humano, como em áreas da saúde e qualidade de vida ou até fomento de novas competências perante existência de ativos regionais, ainda subvalorizados.

Qual o papel dos centros de formação protocolares? O seu sector é um bom exemplo de uma história bem sucedida a esse respeito.

Os centros de formação profissional de gestão participada são centros formados entre o IEFP e os parceiros sociais como Associações patronais, sindicais e profissionais.

São centros autónomos e destinam-se a fazer formação setorial ou em certos casos formação transversal aos setores de atividade com incidência na formação profissional básica e de nível até à qualificação como é o caso do nosso setor, metalúrgico e metalomecânica . Tem uma particularidade, estatizante, que tem a liderar na Comissão Diretora um presidente nomeado pelo IEFP, com direito a veto. Isto ainda persiste e é redutor para com os resultados. Não é uma crítica mas uma constatação identificada por todos atores .

Este setor tem um centro que é o CENFIM com uma estrutura altamente profissional e que é um exemplo de organização e resposta às necessidades deste mega setor da nossa economia, mas não é suficiente. Sendo referencia como um centro protocolado de formação exemplar, não quer dizer que o ajustamento à dinâmica das empresas seja perfeito. Trabalhamos recentemente com o Sr. Ministro do Emprego e Solidariedade Social num debate exploratório de como podemos responder melhor às carências e ao grande desenvolvimento porque passa o nosso setor neste momento, assim como nos outros setores . Ou seja, temos falta de resposta de quadros qualificados para áreas de domínio da Industria 4.0, que as empresas estão a implementar e de certas qualificações muito particulares que requerem resposta mais rápida e em quantidade pedida pelas empresas, porque felizmente estamos a passar um período de expansão dos negócios no setor.

Quer o aparecimento de mais jovens para fazerem formação no CENFIM, quer o financiamento de mais cursos em resposta ao crescimento da procura das empresas, são obstáculos que temos de vencer.

Ou a solução passa pela contratação de recursos humanos especializados nos mercados externos, sejam eles portugueses ou estrangeiros. Acha que as empresas portuguesas são já suficientemente atractivas para essa contratação?

É já um cenário que se está a colocar às empresas, a contratação no exterior.

O setor já tem empresas a recrutar no exterior, embora que a maior procura faz-se para as atividades em ambiente de fabrico industrial, contudo já se recrutam técnicos e gestores de topo para funções importantes nas nossas empresas. É uma opção resultante do ambiente da competitividade empresarial e da expansão dos negócios, sobretudo , como resultado da internacionalização das nossas empresas. Isso já está a acontecer. Claro que já está subjacente um novo problema que é a legalização lenta pela resposta do SEF, segundo reclamação de alguns associados da AIMMAP, que tive conhecimento.

No nosso caso não temos problemas com os expatriados, quer em Portugal, Brasil ou Alemanha. Temos Portugueses lá fora e também começamos a recrutar técnicos superiores no exterior.

As empresas podem, elas também, através da criação de academias internas complementar a formação técnica, mais especializada que a universidade não consegue oferecer?

Desde a formação da FREZITE, na Trofa, pensamos global. Foi um dos nossos vértices do triangulo da estratégia ,a Internacionalização das nossas atividades nos mercados. No âmbito da formação temos um grande cuidado porque os nossos negócios baseiam-se fortemente em “engineering”, o que implica conhecimento e inovação permanente e tempo de resposta competitivo.

Para que tal aconteça temos de ter domínio completo do espaço e do tempo em que somos fazedores. A formação técnica, a atualização do conhecimento e a homogeneização no Grupo desse conhecimento, é uma função da academia interna, que faz um trabalho dinâmico de desenvolvimento do conhecimento, em torno da nossa estratégia para com os mercados onde estamos a atuar.

A universidade tem de dar cada vez mais e melhores competências transversais, de forma a fazer uma excelente interface ajustada às necessidades das empresas. As empresas por si têm dentro da sua estratégia de inovação desenvolver conhecimento com ou sem ajuda do exterior e formar os seus RH nos seus graus específicos de especialização. Isto deve ser o normal funcionamento de uma salutar relação universidade/empresa.

Na Frezite o seu mercado é cada vez mais global. Que género de formação e requisitos são os mais indicados para que haja uma correspondência directa entre os recursos a contratar e as necessidades da sua empresa?

Tendo em conta que os objetivos da competitividade passam pelo desenvolvimento permanente do conhecimento, uma vez que trabalhamos em “engineering”. As nossas necessidades no recrutamento são normalmente sob perfil de conhecimento transversal, em que a formação especializada é dada dentro da empresa, que por vezes é de longo tempo. Sendo hoje a FREZITE um grupo empresarial, as nossas sucursais sofrem os mesmos “inputs” sobre o recrutamento de RH, que nós na nossa sede em Portugal.

A Frezite recruta trabalhadores à saída das universidades? Se sim, em que áreas? Para além disso, fomenta parcerias com jovens recém-licenciados para a concretização de mestrados e doutoramentos em contexto real de trabalho?

Sim, recrutamos à saída da Universidade, mas a FREZITE recruta normalmente licenciados com experiencia profissional em perfis definidos pelo departamento de gestão dos RH, com forte valorização das competências psicotécnicas, a quem criamos todas as condições de especialização e carreira.

Não escondo que temos muita preocupação em proteger o conhecimento e know-how que é património da empresa e faz parte do seu ADN. Tivemos recentemente um doutoramento na FREZITE e está um segundo em curso das áreas da engenharia mecânica, em áreas estratégicas dos nossos negócios pelos nossos produtos, sempre com o objetivo da robustez nossa competitividade, em que os doutorados ficam a trabalhar na empresa na dinâmica da inovação de hoje e do futuro.

As áreas onde somos mais recrutadores é em engenharia mecânica ou industrial, embora tenhamos licenciados em múltiplas áreas.

Disse recentemente, numa conferência, que a nova revolução industrial “implica uma racionalidade de 30% a 45% de postos de trabalho.” Como devem as universidades posicionar-se em relação aos seus alunos, que mais tarde serão trabalhadores nas empresas que estarão nesta revolução?

A Industria 4.0 vai provocar mudanças significativas nos perfis quer de formação quer da procura de licenciados, quer de RH qualificados. Não nos podemos esquecer que o ajuste que vamos ter no emprego por alguma redução, está diretamente ligado ao aparecimento de novos perfis de currículos que irão ser necessários. A componente serviços vai aumentar, mas ao nível dos currículos para o fabrico industrial aí sim vamos ter uma redução. Iremos ter mais programadores, mais gestores de redes digitais, mais operadores de manutenção digital, etc.

O novo emprego é em licenciados nas TIC e em quadros médios nas TIC. O país está neste momento altamente desequilibrado na oferta nesta posição de profissionais que por outro lado recorre-se a ter licenciados em atividades, como atrás referi, que deviam ser ocupadas por quadros intermédios especializados na TIC. Estou certo que as universidades, já estão a fazer o ajuste curricular nos seus cursos em reposta a esta revolução.

Na sociedade ,as famílias e os cidadãos têm de corrigir aquilo pelo que se avaliam as pessoas quer profissionalmente como em tudo, que não é pelo que a pessoas diz ser, mas antes pelo que a pessoa é capaz de fazer.

Por último que comentário lhe merece o programa INTERFACE. Concorda com os seus objetivos e estratégia? Está a ser bem sucedida?

O programa “Interface” é um programa de fomento da cooperação entre empresas, universidades, politécnicos e centros tecnológicos para o fomento da competitividade empresarial pela inovação.

Sempre assistimos a queixas das empresas e vice-versa das universidades que o relacionamento é débil e em condições precárias. O paradigma deste relacionamento está a mudar, estou certo que este megaprograma em muito pode ajustar a resposta em qualidade deste relacionamento que tem todo o potencial de ter elevados resultados para a competitividade empresarial e aumento do nível e aplicabilidade do conhecimento,

É um programa cheio de oportunidade com interesse para todos os atores, em que o seu sucesso só é possível majorar se as empresas sentirem uma oferta disponível, com resposta, um trato de competência e em dinâmica sincronizada com a vida própria das empresas. O programa foi criado cheio de oportunidade, uma vez que há excelentes oportunidades escondidas, que o programa põe a descoberto, potenciando substancialmente os resultados, criando novos hábitos estruturantes nas relações empresas, laboratórios de investigação, instituições tecnológicas e universidades. É expetável que cada ator principal a que se destina este programa interprete com a responsabilidade necessária que todo o investimento só resultará se desenvolverem novas relações interinstitucionais de relacionamento de proximidade e em ambiente de resultados esperados e avaliados.

Se for assim conseguido, vai ser um sucesso para o aumento da sustentabilidade e de convergência da nossa economia com a U.E., também em crescimento.