Bernardo Brito e Faro, CFO Sogrape
Publicado originalmente na revista BOW 13
Muitos defendem que a fiscalidade tem um papel importante na competitividade dos países e, em especial, o IRC assume uma importância fundamental, visto que, tributa os rendimentos das empresas, condicionando-lhes a capacidade de autofinanciamento da atividade. Da sua experiência, enquanto administrador da Sogrape, isto faz sentido?
De facto, a concorrência fiscal é um fator de competitividade, sobretudo na tributação direta internacional. Aliás, a globalização tem fomentado a competitividade fiscal entre países.
A competitividade fiscal tem como objetivo criar um enquadramento fiscal mais favorável à captação de investimento. No entanto, o fator fiscal é uma das sub-dimensões que integram o potencial de mercado ou o risco financeiro associado, podendo influenciar o processo de internacionalização. É geralmente tido como acessório para efeitos de decisão de investimento e de localização do mesmo, e poderá ser mais ou menos importante em razão da natureza do processo de internacionalização em causa.
Portugal é conhecido por ser um país pouco competitivo em matéria de fiscalidade e tem perdido posições na competitividade mundial nos últimos anos. Concorda? A que se deve esta situação?
Realmente a fiscalidade é um dos grandes motivos da falta de competitividade da economia portuguesa, dado termos um sistema fiscal demasiado complexo e com baixa estabilidade. Com o aumento dos impostos diretos e indiretos dos últimos anos, Portugal tornou-se cada vez menos competitivo. A fiscalidade tem um papel relevante na competitividade dos países e, em especial, o IRC (com taxas efetivas de tributação superiores a 30%) assume uma importância fundamental, visto que tributa os rendimentos das empresas, condicionando-lhes a sua capacidade de autofinanciamento da atividade. Implantar um sistema fiscal mais simples e digital, com taxas efetivas de tributação mais baixas, vai fomentar um maior crescimento económico, através de uma maior competitividade, de mais investimento externo e da criação de emprego.
Quanto maior for a taxa efetiva de IRC, menor o nível de internacionalização das empresas e quanto maiores forem os outros benefícios fiscais, associados aos custos não desembolsáveis, maior é o nível de internacionalização das empresas. Concorda?
Sem dúvida que sim. Nas atuais circunstâncias, em que o controlo de custos e a maximização da liquidez têm cada vez mais um papel relevante na gestão das organizações, o nível dos impostos sobre o rendimento e os benefícios fiscais e incentivos financeiros, nomeadamente os programas de apoio à internacionalização, ganham uma importância cada vez maior.
Na sua opinião o que já foi feito e o que ainda é preciso fazer, a este nível, para que as empresas portuguesas tenham sucesso cá e lá fora?
Para Portugal ser mais competitivo no contexto internacional deverá continuar a proceder a uma redução da taxa efetiva de tributação, assente numa redução da taxa nominal, sobretudo dos lucros retidos. Além disso, deverá facilitar, pela via fiscal, fusões e aquisições, por exemplo, através da introdução da amortização do Goodwill como custo fiscal para incentivar movimentos de concentração e de internacionalização. Outra alternativa passa por defender políticas públicas que fomentem a inovação empresarial e estimulem as vantagens competitivas nacionais, sobretudo dos nossos principais clusters estratégicos, como é o caso do vinho.
Muitas empresas veem na internacionalização uma via para se expandirem, procurando condições fiscais mais favoráveis ou este aspecto é apenas um, entre muitos outros, até bem mais importantes? Se sim, quais?
Neste caso em particular, outras variáveis, que não a fiscal, assumem-se como proeminentes num qualquer processo de internacionalização. Para além da taxa efetiva da tributação direta e a tributação indireta internacional, estudam-se outras variáveis independentes, nomeadamente: a rentabilidade do negócio e os investimentos que permitam um conhecimento melhor dos mercados de destino e dos diversos intervenientes internacionais, que garantem a realização de todas as etapas da cadeia de valor do negócio com a eficácia necessária para fazer chegar os produtos ou serviços com as características e nos prazos combinados junto dos clientes finais. Para a realização desses investimentos é fundamental que existam fontes de financiamento capazes de suprimir as necessidades financeiras, tendo a capacidade de autofinanciamento uma importância vital para a internacionalização dos negócios.
Em resumo, a fiscalidade do país de destino não só é um dos fatores relevantes na avaliação do potencial de mercado e do risco financeiro associado ao investimento, como também é uma condicionante a ter em conta no apuramento do lucro e das mais-valias que se perspetiva com esse investimento.
A Sogrape produz vinhos em Portugal, Espanha, Chile, Nova Zelândia e Argentina. Haverá mercados mais favoráveis em termos fiscais do que outros e por isso tornam a atividade mais compensadora. Pode dizer quais e as suas particularidades?
No mundo de hoje, a diversidade é cada vez mais importante, não pela diferença em si, mas pela tão importante complementaridade. Na Sogrape, acreditamos que a nossa diversidade (pessoas, origens, mercados, vinhos e marcas) faz de nós únicos, o que nos dá força face a outras empresas mais uniformes e centradas em apenas uma realidade.
Focar a competitividade do investimento externo apenas no aspeto fiscal é um erro. Porém, como já foi referido, não se pode deixar de analisar a sua importância e é necessário salientar que o aspeto fiscal contribui bastante para a competitividade da organização.
No entanto, há mercados que precisam de estratégias pensadas ao nível da fiscalidade ou outra barreira, como no caso do Brasil ou Estados Unidos, por exemplo?
O Brasil e os EUA são mercados estratégicos de internacionalização da Sogrape. A estratégia de implantação naqueles mercados é mista, isto é, de exportação direta e de investimento direto. Um dos grandes constrangimentos em termos de desenvolvimento do negócio é a grande instabilidade das suas políticas fiscais e das várias regulamentações federais e estatais, bem como o baixo apoio ao investimento direto externo. A complexidade regulamentar nos EUA e no Brasil levou, no passado, a maioria dos produtores europeus a delegar o seu negócio aos importadores locais, dando-lhes poder direto sobre as suas marcas no país.
Como tem acompanhado a possível decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América no sentido de dar luz verde à livre transação de vinhos entre Estados nesse importante país para os vinhos portugueses?
Com expectativa, pois quanto menos barreiras existirem nos mercados externos, mais fácil se torna a livre circulação de bens e, consequentemente, mais oportunidades teremos para crescer nesse mercado.
Quais os conselhos/cuidados que deixaria para uma empresa que se prepara para iniciar o seu processo de internacionalização no sector do vinho ou qualquer outro.
Um primeiro passo para iniciar o processo pode passar por contactar a AICEP Portugal Global, o parceiro de referência para as empresas portuguesas que pretendem alargar a sua atividade nos mercados externos, já que proporciona diversos tipos de apoio, nomeadamente a designação de um Gestor de Cliente para trabalhar a proximidade e acompanhar o desenvolvimento internacional da empresa.
Independentemente de quais as motivações que levam uma empresa a internacionalizar-se, os seus objetivos a longo prazo deverão ser tidos em consideração. Existem várias formas de entrar no mercado externo, pelo que é necessário ter em atenção qual o tipo de produto, o local de destino e os recursos (disponíveis e/ou necessários) para determinar a forma mais adequada e sustentada, avaliando os diversos cenários e riscos e tendo em conta as vantagens competitivas dos seus produtos/serviços. Falamos de exportação (direta, indireta ou própria), métodos contratuais (licenciamento, joint-venture, alianças estratégicas, franchising, ou subcontratação industrial) ou investimento direto (aquisições, investimentos de raiz ou alianças/parcerias estratégicas, entre outros).
Assim, para que uma empresa possa ganhar o desafio da internacionalização, deverá ter capacidade para investir na qualidade e inovação, bem como para competir – quando a concorrência é especialmente exigente, torna-se necessário assumir como incontornáveis os fatores de competitividade mais críticos: qualidade, inovação, marketing, design, imagem e recursos humanos qualificados. A estes acresce ainda um conjunto de condições também relevantes, como por exemplo a cooperação empresarial, o financiamento e a utilização de informação estratégica, identificando, por exemplo, as vantagens competitivas face à concorrência (nichos/segmentos bem identificados), de modo a conferir sustentabilidade ao processo de expansão nos mercados externos.