A CEREALIS é uma empresa centenária, nascida em 1919. Teve recentemente uma alteração acionista. Em 2021, as famílias Amorim e Lage venderam 100% da sua participação às famílias Moreira da Silva e Silva Domingues. E não foi só a estrutura acionista que mudou.

Este artigo tem por base a rubrica Business Advisory do projeto BOW. Estas entrevistas têm como objetivo a partilha de percursos de internacionalização, de empresas e gestores, que se destacam pelas suas boas práticas e resultados nos mercados internacionais. Estamos convictos que podem servir de exemplo e de modelagem para empresas com menor pendor exportador.

Deixou de existir a CEREALIS Internacional, passando a integrar a área de produtos alimentares. Há agora duas unidades de negócio: a unidade de produtos alimentares (CEREALIS Produtos Alimentares) – onde se insere o negócio de exportação – e a unidade de farinhas (CEREALIS Moagens).

O nome CEREALIS surge do “transformar cereais”. O volume de negócios está nos 120 milhões de euros/ano, o que coloca o Grupo no patamar dos maiores players europeus neste setor.

O foco está em produtos derivados da transformação de cereais. É líder nas massas alimentícias e farinhas industriais, complementando a sua gama com farinhas culinárias, bolachas, cereais de pequeno-almoço e barras de cereais. Os seus mais de 130 produtos de diferentes categorias são hoje comercializados nos cinco continentes. O seu portefólio tem muitas marcas; emprega 670 colaboradores e transforma anualmente mais de 440 mil toneladas de cereais.

A investigação interna nas áreas da inovação e desenvolvimento, qualidade, tecnologia industrial e mercados – consistentemente suportada por estudos internos, parcerias e consultadoria externa – continua a ser decisiva para a adaptação da CEREALIS às exigências dos mercados, garantindo assim o crescimento sustentável do Grupo.

A entrevista foi conduzida pela AEP a Paula Meireles (PM), diretora da unidade de negócio de produtos alimentares. Tem larga experiência na área comercial, inclusive na empresa do Grupo na República Checa. Logo, foi simples conduzir a entrevista devido ao seu know-how com mais de 23 anos no Grupo. O melhor, mesmo, é ler a entrevista, de grande partilha e especificidade do negócio.

AEP – O que vos distingue, na CEREALIS, como empresa nos mercados internacionais?

 PM – Conhecemos bem os consumidores das 4 categorias de bens essenciais que trabalhamos. Recordo que já fazemos massas e moemos trigo há mais de cem anos, o que nos permitiu adquirir e desenvolver um enorme conhecimento e experiência nos mercados onde estamos presentes, aspetos fundamentais para a nossa relevância e notoriedade. Para tal, tem sido essencial antecipar e acompanhar as novas tendências de consumo, além de manter um elevado nível de serviço e proximidade em cada mercado.

 Atualmente, as vendas internacionais da Cerealis representam já cerca de 20%, tendo como principais mercados países como Espanha, França, os PALOP e África do Sul. Fazemos uma gestão de gama mercado a mercado: havendo diferenças muito significativas entre estes, há naturalmente referências que se vendem nuns países e não em outros. Procuramos cobrir todos os price points numa categoria, com produtos que vão desde os mais acessíveis até ao segmento premium. Isso é versatilidade – poder trabalhar vários canais e mercados. Este fator é importante e permite atender a estilos de consumo e a canais muito diversificados. Estamos, hoje, em mais de 50 mercados.

Estou consciente de que ainda podemos fazer muito mais e melhorar continuamente. Para isso, recorremos às áreas de I&D, que internamente desenvolvemos, mas também procuramos ativamente parcerias com universidades, colabs,  associações e profissionais externos.

AEP – O que vos move e motiva no negócio internacional e na abertura de novos mercados? O “branding Portugal” e origem é importante ou não?

 PM – Move-nos o conhecimento da tipologia de consumo e de venda dos diferentes
mercados-destino, a adequação da oferta a cada mercado e a definição de uma estratégia para cada país.

Mas cada mercado é um mercado, que deverá ser analisado no todo, desde o perfil de consumo e distribuição a todas as questões legais.

Quanto ao branding “Portugal”, parece-me que há uma perceção de qualidade dos produtos portugueses e que tem crescido nos últimos anos. Mas ainda há um caminho a fazer na valorização da nossa qualidade.

A ligação dos nossos produtos a Portugal é relevante. Temos a marca “Nacional”, que está em 4 categorias, com a assinatura “O que é Nacional é bom.”, reforçando a qualidade do que é nacional e português. A marca “Milaneza” é especialista em massas, mas com um caráter mais internacional. Temos uma oferta alargada, aproximações com marcas locais e outras internacionais. Tanto que, em mercados como Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, as nossas marcas são líderes de vendas na sua categoria.

AEP – Como se prepararam ou adaptaram internamente? Especialmente equipa de vendas e exportação, em particular nestes tempos de maior turbulência.

 PM – O que mais nos impactou nos últimos tempos foi a imprevisibilidade da procura, o que nos obrigou a ter uma grande flexibilidade e rapidez em toda a cadeia de abastecimento – numa indústria de grande consumo e em laboração contínua, a dificuldade é acrescida.

Estamos conscientes de que todo este impacto foi sentido em toda a cadeia, em especial a distribuição, com estas oscilações e disrupções.

Mas temos uma equipa excecional, que, mesmo numa total imprevisibilidade da procura, esteve sempre próxima dos nossos clientes (embora virtualmente durante os “lockdowns”).

Agora, em 2022, é bom retomar as visitas a mercados e clientes, além de participar em feiras. A última em que estivemos foi a Gulfood, nos Emirados, com a AEP.

AEP – Como escolhem e selecionam mercados? Quais os critérios mais relevantes no vosso negócio?

 PM – Os nossos mercados naturais são os de proximidade geográfica ou de cultura.

Trabalhamos tanto cadeias de distribuição diretamente, como com operadores/distribuidores locais. Temos diferenciadas abordagens nos mercados em que atuamos.

Posso mesmo dizer que cada caso é um caso e estudado, sendo definida a gama e as marcas a estarem presentes. Mais que exportar, pretendemos trabalhar mercados. Fazemos estudos, identificamos produtos substitutos e analisamos a concorrência.

A diferenciação e a inovação são cada vez mais critérios fundamentais para as marcas e para as empresas. Surpreender permanentemente o consumidor continua a ser um desafio, sendo essencial acompanhar a evolução das tendências alimentares. Estamos presentes no dia a dia de milhões de consumidores e queremos continuar a estar.

Somos líderes de mercado com a marca “Amiga”, na categoria das massas, em países como Angola, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Moçambique, onde temos uma elevada notoriedade e relevância; é mesmo uma marca “amiga” dos consumidores!

Para nós, é muito importante a relação com os nossos clientes; temos preocupação na rotação dos nossos produtos nos clientes. Estamos sempre ao seu lado em todo o processo de compra e também no processo de venda deles. E temos esse reconhecimento por parte de muitos dos compradores.

Somos um player relevante e reconhecido na Península Ibérica e na Europa. Somos eficientes e procuramos ter os melhores benchmarks. Somos muito nacionais no que comemos, em termos de dieta. Dou como exemplo a “aletria” como doce regional, que não existe em mais nenhum mercado. E isso reflete-se localmente em muitos mercados.

O tema está em trabalhar mercados e não em vender produtos. Fazer vendas com estratégia.

AEP – Qual a melhor história de experiência positiva e negativa nos mercados onde atuam?

PM – Todas as experiências são positivas de uma forma geral. Estou há tantos anos na área comercial que não faltam histórias.

Uma noite cheguei a Praga, já tarde; entrei no restaurante mais perto do hotel que encontrei aberto e sentei-me na única mesa disponível. Qual a minha surpresa quando começo a ouvir a conversa dos dois senhores sentados na mesa ao lado. Falavam sobre o seu negócio e as suas estratégias; percebi, então, que pertenciam a um concorrente internacional, e ali permaneci calmamente a terminar o meu jantar. Gosto de partilhar este episódio, que mostra como o mundo é pequeno, mesmo quando trabalhamos mercados externos.