A RAMIREZ é a mais antiga conserveira em laboração contínua em termos mundiais. A AEP Internacional, no âmbito do seu projeto BOW (Business On the Way) e da nova rubrica “Export Talks”, teve a oportunidade de entrevistar Manuel Ramirez (MR), o atual CEO da RAMIREZ – representando a 5ª geração na liderança de uma das empresas conserveiras com maior dinâmica e dimensão em Portugal.
Este artigo tem por base a rubrica Business Advisory do projeto BOW. Estas entrevistas têm como objetivo a partilha de percursos de internacionalização, de empresas e gestores, que se destacam pelas suas boas práticas e resultados nos mercados internacionais. Estamos convictos que podem servir de exemplo e de modelagem para empresas com menor pendor exportador.
A empresa foi fundada em 1853 pelo seu trisavô, em Vila Real de Santo António, com uma cultura familiar e social muito presente. Em 2013 fez um investimento significativo, na ordem dos 18 milhões de euros, nas novas instalações em Lavra (Matosinhos) – inovação de produto e processo produtivo –, colocando a empresa no ranking mundial das cinco melhores empresas relativamente à inovação no setor agroalimentar.
Esta nova fábrica é um marco devido às mais-valias em termos de sustentabilidade e processo. É, realmente, uma fábrica “verde” no que toca a boas práticas internacionais, desde todo o processo produtivo (transformação) à robótica na embalagem, passando pela responsabilidade social, que é um legado de família. Salienta-se a creche e o refeitório para os funcionários – prática, aliás, desde a sua fundação –, além do excelente clima social, com grande flexibilidade.
AEP – O que vos distingue na RAMIREZ como empresa nos mercados internacionais?
MR – Temos fãs desde o século XIX e estamos presentes em mais de 50 mercados. E este setor é um setor de paixão. Embora em Portugal o reconhecimento esteja na conserva de Atum, nos mercados externos a nossa “bandeira” é a Sardinha. A paixão e a inovação sempre estiveram presentes na empresa desde o seu fundador, Sebastian Ramirez. E neste momento temos acima das 100 referências, desde receitas a alimentação funcional em conserva.
A cadeia de valor é difícil e complexa, e temos de ter o maior cuidado no que toca a gestão de riscos e segurança alimentar. O reconhecimento dos nossos clientes, espalhados pelo mundo, está na confiança e consistência como fornecedor (“reliability” é o termo certo). A origem e o “branding Portugal” estão em toda a nossa oferta.
Um dos maiores exemplos é a marca “Cocagne”, um produto premium que exportamos para a Bélgica há mais de 100 anos e que é líder de mercado com uma quota acima dos 50% no segmento.
AEP – O que vos move e motiva no negócio internacional e na abertura de novos mercados?
MR – Temos uma equipa só vocacionada para os mercados externos, assim como para a inovação alimentar C&D. Quando fazemos, fazemos mesmo e fomos pioneiros em marcas da casa para alguns mercados. O “chapéu” é sempre a RAMIREZ, mesmo quando atuamos em private label para outros. Exportamos 60% do que produzimos em vários canais. E uns 40% para fora da União Europeia. A exportação está na cultura da empresa desde a sua fundação: nascemos a exportar conservas. E temos uma equipa competente e especializada com grande capacidade de adaptação. O segredo são as nossas pessoas e o clima que se vive internamente. Gosto de afirmar que a nossa empresa é uma família.
AEP – Maiores desafios nestes últimos dois anos com um enquadramento novo, incerto, com muita imprevisibilidade e variáveis não controláveis?
MR – Os desafios foram muitos. E não só para nós. Julgo que todos tivemos de nos adaptar e a nossa cadeia de valor é complexa. Reconheço que, mesmo neste mundo volátil e incerto, 2020 foi dos melhores anos, com um crescimento de 27% quando comparado com 2019. E 2021 também foi de crescimento, mais moderado, crescendo 15% quando comparado com 2019. Estamos, aproximadamente, nos 30 milhões de euros em vendas.
E, nestes tempos, a compra de conservas tendencialmente cresce. Embora seja alimentar e perecível, há histórias de latas de alumínio abertas com mais de 50 anos que cumprem com todos os requisitos de segurança alimentar. Há mesmo uma história, que se conta, de se ter encontrado no bunker do Hitler, na 2ª Guerra Mundial, na Alemanha, latas de conservas da RAMIREZ.
Fazemos questão de estar em várias feiras internacionais, assim como promovemos missões com várias entidades. Algumas com a AEP Internacional. Estas entidades abrem portas e proporcionam oportunidades; depois, o trabalho comercial é da nossa equipa.
AEP – Como se prepararam ou adaptaram internamente? Especialmente equipa de vendas e exportação?
MR – Direta ou indiretamente estamos em quase todos os canais (inclusive marketplaces e loja online). Abordamos diretamente grandes cadeias de distribuição, ou por via indireta com importador/distribuidor em alguns mercados/regiões. Em alguns mercados menos maduros, e via distribuição local, estamos até em mercados informais (exemplo de Angola). Temos importadores para o “mercado da saudade” ou mesmo mercados “mais étnicos”. Em termos nacionais, só trabalhamos com marcas da casa, através das nossas duas distribuidoras. E, em termos globais, 50% das vendas internacionais são marcas nossas.
Estudamos os mercados e o comportamento do consumidor em termos locais, sempre focados em entregar resultados aos nossos parceiros. Como estamos num segmento médio-alto, é aí que nos posicionamos e queremos estar – não competimos pelo preço. Alguns têm exigências técnicas muito elevadas (América do Norte e mesmo África do Sul, como exemplos), mas estão dispostos a pagar esse diferencial pelas várias certificações que temos. Produtos funcionais cresceram na última década, e o nosso foco é ter um mundo de receitas e de soluções para os vários mercados compradores. Imprimimos internamente o culto da excelência na segurança alimentar, assim como o nível de serviço que prestamos, e isso tem tido, felizmente, os seus frutos e reconhecimento.
AEP – Como escolhem e selecionam mercados? Quais os critérios mais relevantes no vosso negócio? E estudos sobre mercados, cultura do negócio no destino? E as questões de logística na exportação? Barreiras tarifárias e não tarifárias?
MR – Como disse anteriormente, os segmentos de mercado que atingimos acabam por nos posicionar em mercados exigentes (que pagam mais), mas que obrigam a muitas auditorias, das mais convencionais ao Kosher e ao Halal, entre outras. E isso também implica significativos investimentos, que oneram, naturalmente, o produto final. Lançamos, em média, 5 novos produtos por ano, pois crescer num cliente existente é bem mais fácil do que adquirir um novo cliente.
Já “corremos” quase tudo em termos de mercados e canais de comercialização. Logo, sabemos ler tendências e consumos, facilitando, pela experiência, o caminho a seguir. Fomos fundadores do MSC em Portugal. Até na sustentabilidade da pesca demonstramos o nosso compromisso para com o ambiente e o planeta, sendo também certificados pelo FOS. Pois, num grande cliente, se não cumprimos com algumas certificações/especificações estamos fora de mercado. Note-se que, em termos de energia, temos 30% de autoconsumo. E ainda bem, pois tanto o preço da energia como o de matérias-primas disparou. Saliento também a utilização de biomassa nas caldeiras, assim como a reutilização da água. E o desafio é também conseguir comunicar este diferencial aos clientes e consumidor final.
Estamos a retomar em força com os mercados do Brasil e dos Estados Unidos; este ano de 2022 começou muito bem, com o reforço da atividade do nosso distribuidor local. Há uma competitividade fiscal que não conseguimos ter relativamente aos produtores espanhóis. 70% do mercado português de conservas de Atum é espanhol. É com isto que competimos. Aqui deveria haver uma maior proteção da indústria nacional.
AEP – Qual a sua opinião sobre o projeto BOW em anteriores participações: quais foram e como correram? A AEP Internacional e a sua equipa fazem a diferença, porquê?
MR – A nossa opinião é muito positiva e tem décadas. Estivemos sempre ligados à AEP. Reconheço dinamismo do projeto e da equipa da AEP. Já participámos em vários modelos – feiras, missões e até missões inversas. Participámos ativamente em workshops e webinars de apresentações de mercados, assim como de inteligência sobre mercados. Não exclusivamente com a AEP, mas também com outras entidades, salientando a referência do projeto BOW. Aproveito para agradecer a oportunidade de estar a partilhar a nossa experiência aqui no “Export Talks”.
AEP – Julga que faz a diferença, em termos de efetividade e resultados, realizar missões e feiras face to face? Para além da ligação digital com os mercados por diferentes meios, acreditam nas feiras e missões virtuais? Já participaram em alguma?
MR – A adaptação é a chave. Concluímos que fazíamos muitas reuniões presenciais que não eram necessárias. Embora a minha preferência seja o presencial e vivencial. Estamos num processo de transição. Privilegiamos a relação à frente da transação, e a construção de uma relação de confiança obriga ao “face to face”. No entanto, estamos a participar em registos complementares do presencial. Não diria substitutos, mas sim complementares.
São os clientes que muitas vezes nos empurram para uma inovação. Um exemplo é o bacalhau em conserva, onde fomos pioneiros com a marca “Magalhães”. E depois do desafio de um cliente, conseguimos introduzir o produto noutros mercados.
Um dos mercados que me criou grandes expetativas, em que já fizemos esforços ainda sem resultados, é o Japão. Provavelmente ainda não acertamos nos parceiros certos em algumas das investidas. É um mercado exigente que me fascina pela cultura e dimensão. Mas, reconhecidamente, muito difícil e com barreiras em termos de hábitos de consumo de conservas.
AEP – Qual a melhor história de experiência positiva e negativa nos mercados onde atuam?
MR – A marca RAMIREZ está no top of mind de muitos portugueses e de muitos consumidores de outras nacionalidades espalhados pelo mundo. E muitas vezes somos reconhecidos lá fora em algumas reuniões que faço, mas temos de trabalhar todos os dias para manter essa consistência e notoriedade. Em termos de gerações, já estamos a preparar a 6ª na sucessão familiar nos comandos “deste barco”. E ainda com o meu Pai como farol e timoneiro desta equipa.
Uma história, não minha, mas sim vivida pelo meu Pai é esta que partilho e espero que ele não se importe – mais numa ótica de aprendizagem e de erros inesperados em termos de avaliação do negócio. Há uns 50 anos, em Angola, o meu pai fez, a sul, com outros parceiros uma fábrica de conservas de anchovas. O investimento estava relacionado com a disponibilidade de matéria-prima local (biqueirão). Os ingredientes principais seriam “peixe com sal”, e alguns meses depois abriram as portas, que inesperadamente “cheiravam a rosas” (embora com o produto estragado e impróprio para consumo). Ou seja, só depois concluíram, inviabilizando o projeto, que o sal disponível localmente tinha excesso de magnésio, que vitrificava o peixe e não permitia a penetração do sal no produto para o conservar.
Por vezes, um pequeno pormenor, como a qualidade do sal, pode fazer a diferença. O negócio alimentar é feito de pormenores e de variáveis que devemos controlar.