A CERAMED e a BIOCERAMED são empresas que podem ser desconhecidas de muitos de nós, uma vez que 100% do que produzem se destina a mercados internacionais, mas a sua história é muito interessante. Nesta entrevista temos o testemunho do Eduardo Pires (EP), CEO do Grupo.

Este artigo tem por base a rubrica Business Advisory do projeto BOW. Estas entrevistas têm como objetivo a partilha de percursos de internacionalização, de empresas e gestores, que se destacam pelas suas boas práticas e resultados nos mercados internacionais. Estamos convictos que podem servir de exemplo e de modelagem para empresas com menor pendor exportador.

O nascimento da CERAMED remonta ao período de 2003-2005 no CATIM (Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica) na sua área de investigação em Lisboa. Depois, teve o apoio direto da ANI (Agência Nacional de Inovação). Em 2007, também contou com o apoio de fundos do ISQ Capital, que visavam apoiar e dinamizar empresas na fase de “start-up” ou “early stage”. A BIOCERAMED é uma spin-off da CERAMED Revestimentos, que, desde que surgiu, já revestiu mais de 1 milhão de próteses.

A equipa de I&D, em colaboração com parceiros académicos, desenvolve biomateriais e soluções para regeneração do osso – implantes para introduzir no tecido ósseo (ortopedia, coluna e dentária). Os primeiros tempos foram muito difíceis, como reconhece o seu CEO neste testemunho na primeira pessoa. Necessidade de investimento e risco do negócio estiveram sempre presentes.

Foi a primeira empresa no mundo certificada pela norma ISO 13485, pois, à data, estava apenas dedicada a fabricantes. A primeira barreira foi ter o primeiro cliente. Apostou muito na área da qualidade, com relatórios de validação, cumprindo com todos os ensaios.

A primeira experiência em feiras internacionais (na MEDICA, na Alemanha, em 2008) não funcionou. Mas o melhor é ler esta entrevista, que julgamos ser útil para melhorar a curva de experiência de outros e, acima de tudo, para retirar alguns ensinamentos sobre o que não fazer, como salienta Eduardo Pires.

AEP – O que vos distingue na CERAMED como empresa nos mercados internacionais?

EP – Concluí, com muito custo, que temos de fazer bem, pois competimos com grandes multinacionais. Como fizemos erros no início, ficou mesmo o estigma de só voltar a participar em feiras 10 anos depois da primeira experiência. Aprendemos com alguma “dor”.

O mercado de oportunidade foi o Brasil, em 2005, que nos catapultou para todo o mercado da América Latina (estamos em todos os países, ou quase todos). E como os americanos e os europeus desprezavam a importância deste mercado, tornámo-nos líderes na América Latina, assim como na Turquia.

O que fazemos está muito relacionado com investigação e inovação. Somos ainda pequenos e trabalhamos um produto de nicho, que estamos a massificar. Diria mesmo de nicho do nicho. Estamos em mais de 50 países. As nossas instalações são regularmente inspecionadas por agências externas para garantia das boas práticas de fabrico.

O que nos distingue é o nível de serviço quando comparado com outros. Apostamos em produzir internamente a nossa matéria-prima para diminuir a dependência de outros. A Qualidade hoje em dia é standard. A diferença está no apoio que damos localmente aos nossos distribuidores. Durante muitos anos fiz a parte comercial sozinho. Desde o ano passado, já temos uma pessoa inteiramente dedicada. Somos 45 pessoas atualmente. Os fabricantes são poucos e conseguimos identificá-los. O maior trabalho está na aproximação, devido à capilaridade em termos de clientes finais – hospitais e clínicas especializadas.

AEP – O que vos move e motiva no negócio internacional e na abertura de novos mercados? O “branding Portugal” e a origem são importantes ou não?

EP – O ser português não foi importante na fase inicial. Mas hoje já o é. Temos produtos pensados e desenvolvidos por nós há uns 15 anos que estão agora com notoriedade. Temos uma capacidade enorme de inovar aqui em Portugal, reconheço isso. E há muitos e bons exemplos. A capacidade de escalar está muito limitada pelos recursos e financiamento.

Muitos dos meus colegas preferiram trabalhar para outros. É sempre mais fácil. O meu empreendedorismo não tem explicação. Trabalhei para uma empresa, no início da minha carreira, e não gostei. Talvez tenha sido isso. Explico: tirei o doutoramento porque a experiência de estar numa fábrica a trabalhar por conta de outrem foi horrível. É a minha experiência.

80% do que produzimos é marca própria, e os outros 20% trabalhamos para outras marcas. O nosso mercado é muito regulamentado e envolve muitos processos, que temos escrupulosamente de cumprir, em que os registos nos países de destino demoram algum tempo. Temos de ter um distribuidor, ao qual damos uma exclusividade de 5 anos, que investe tempo e outros recursos, em parceria connosco, neste processo.

Nunca me arrependi até hoje por esta escolha de empreender e tenho muito orgulho no nosso caminho. Devo-o também a excelentes pessoas que me rodeiam. A nossa equipa é muito boa. Na CERAMED, o negócio está consolidado e a crescer. Na BIOCERAMED, ainda em fase de consolidação.

AEP – Maiores desafios nestes últimos dois anos com um enquadramento novo, incerto, com muita imprevisibilidade e variáveis não controláveis?

EP – Os desafios foram muitos, mesmo estando no setor da saúde, o que não seria óbvio para o senso comum. Ou seja, antes do início do enquadramento pandémico estávamos a crescer 10% ao mês. E simplesmente parámos em alguns mercados-chave e estratégicos para nós, como o Brasil e a Turquia. O Brasil já está a recuperar, embora a Turquia continue parada. Estes últimos meses já têm sido mais satisfatórios e a aproximarem-se de valores de vendas de 2019, mas apenas na CERAMED, pois na BIOCERAMED ainda não recuperámos da pandemia.

A nossa abordagem comercial nunca é por venda direta ao cliente final: é sempre via um distribuidor. E alguns hospitais, públicos e privados, realizaram muito menos intervenções nos últimos dois anos. A prioridade passou a ser outra. E isso, naturalmente, afetou-nos.

As multinacionais, nesta fase, nem olham para nós. Devido a serem realmente grandes, nem os incomodamos. Estamos também a ganhar alguns concursos aqui em Portugal. Tenho muito orgulho no nosso portefólio e, em termos competitivos, batemo-nos com os grandes. Já somos atendidos pelo responsável de compras. No início, não passávamos da área da Qualidade e de Investigação.

AEP – Como se prepararam ou adaptaram internamente? Especialmente equipa de vendas e exportação?

EP – Não é fácil, hoje em dia, reter talentos. Formamos, crescem connosco, e alguns, infelizmente, no espaço de 3 anos, são desafiados para outros projetos e empresas – que pagam 3 vezes mais e não conseguimos acompanhar. Julgo que não é uma realidade só nossa, pois outros amigos de outras empresas referem o mesmo.

Mantivemos sempre a atividade devido a estarmos em muitos mercados. Enquanto uns mercados fechavam, outros abriram – a diversificação ajuda muito. Já tivemos projetos em copromoção. Estamos no cluster da saúde do MIT e temos parceiros em muitas universidades e institutos. Acredito muito na cooperação empresarial e na ligação das universidades às empresas E temos também apoios em termos de incentivos fiscais, pois cumprimos com todos os rácios exigidos, como número de doutorados nos quadros, entre outros.

Um dos maiores marcos foi em 2015, quando atingimos 1 milhão de euros em vendas. Antes da pandemia, estávamos nos 3 milhões de euros. Acredito que, no final de 2022, vamos voltar a esta dimensão. Se não fosse a pandemia, julgo que poderíamos estar noutro patamar. Vamos crescer com sustentabilidade. É esse o propósito.

AEP – Como escolhem e selecionam mercados? Quais os critérios mais relevantes no vosso negócio?

EP – O nosso mercado é muito regulado. Não podemos olhar apenas para questões tarifárias. Temos de cumprir com muitas especificações. Para ficar com uma ideia dos desafios, hoje, para uma marcação CE, tendo em conta a nova diretiva a entrar em vigor em maio de 2024, estamos a falar de investimentos de 200 mil euros (por produto). É um grande desafio, mas estou convicto de que vai ser uma boa oportunidade para nós, pois algumas empresas vão ficar de fora (na Índia e na China, por exemplo).

Estamos em mercados como o Irão e o Iraque, por exemplo. Já fiz questão de visitar quase todos; reconheço que o Iraque ainda não. E todos os indicadores que nos interessam são levantados para tomar decisões. No início, éramos menos criteriosos, mas hoje fazemos um trabalho significativo de estudo do mercado e do perfil do distribuidor.

AEP – Quais as principais ferramentas que utilizam para levantar potenciais clientes (importadores, distribuidores, agentes, parceiros, etc.)? E a due diligence? E a gestão do risco, medem?

EP – Em conjunto com os nossos distribuidores, fazemos visitas aos clientes nos vários mercados onde atuamos. E é mesmo opção deles que assim seja, pois neste setor o fator confiança é muito importante quando temos um fabricante, como nós, a dar a cara e a atestar a capacidade técnica.

Claro que a escolha do distribuidor é feita de forma cuidadosa e criteriosa. Note-se que quando celebramos um contrato de exclusividade é para 5 anos. E o distribuidor também investe no processo. O risco existe sempre e também temos cuidado na mitigação e riscos.

AEP – Qual a sua opinião sobre o projeto BOW em anteriores participações: quais foram e como correram? A AEP Internacional e a sua equipa fazem a diferença? Porquê?

EP – Claro que fazem a diferença. O profissionalismo e o planeamento são irrepreensíveis. Dão muita dignidade ao que fazemos. Ajudam muito na comunicação e abertura de alguns canais. Destaco, como exemplo, as 6 participações na feira Arab Health nos Emirados Árabes Unidos, entre outras iniciativas em que já participámos (somando as duas empresas). Da comunicação ao envio de mercadorias (amostras), assim como o apoio durante e depois do certame.

Já concluí há muito que, para estar numa feira internacional, temos de ir num formato estruturado e profissional. Com dignidade. Para não fazer com um nível elevado, prefiro não ir. Os nossos concorrentes são multinacionais. E o posicionamento é importante. Fazemos com qualidade a um preço mais reduzido. Embora os preços mais elevados de outros já se aproximem, hoje, dos nossos. As margens, há uns anos, eram mesmo muito grandes para alguns.

AEP – Qual a melhor história de experiência positiva e negativa nos mercados onde atuam?

EP – A pior experiência, como referi no início desta nossa conversa, foi numa das primeiras feiras na Alemanha. E a responsabilidade foi só nossa. Assumo falta de preparação e pouco profissionalismo na altura. Recordo-me que ficámos com 9 m2 entre dois stands de multinacionais (com stands acima dos 200 m2). Foi o David no meio de dois Golias. Mas serviu para aprender: o erro faz parte do processo de aprendizagem na conquista de mercados internacionais. E estes erros podem servir para outros não o fazerem. Saber como não fazer também ajuda.

A melhor experiência julgo que é ter hoje orgulho em nunca esconder a nossa origem. Há uns 17 anos, pouca gente reconhecia Portugal neste campo de investigação e da engenharia biomédica. Agora sinto que estamos em pé de igualdade com outras origens.

Saliento que, em alguns mercados, já senti que ser português trouxe benefícios. Dizer “made in Portugal”, mesmo na Suíça e em França, é um ativo que joga a nosso favor. A nossa imagem lá fora melhorou muito. E isso também se deve a outros setores não industriais, como as artes, a cultura e até o futebol.