Qual o futuro da globalização?…parece-nos ser uma boa pergunta.
Não temos respostas certas, o que não nos impede de pensar no assunto.
Aqui no blog do BOW – Business On the Way tentamos através de conteúdos de qualidade, apoiados nas melhores fontes, tocar os temas da globalização e da transformação das cadeias de valor com o propósito de dar algumas repostas (e insights) que possam ajudar os exportadores portugueses nas suas investidas além fronteiras.
A questão da globalização, nos próximos tempos, deveria estar mais focada na qualidade da mesma (forma e modelo) do que na sua quantidade (números). E é isso que procuramos trazer neste artigo de reflexão.
A AEP e através da sua área internacional vai levar a cabo o projeto NEXT CHALLENGE ASIA – A iniciativa tem como propósito reforçar a internacionalização das PME das fileiras agroalimentar, casa, infraestruturas (água e energia) e materiais de construção, nos mercados do Japão, da Coreia do Sul e da China, identificando oportunidades e constrangimentos de acesso e disseminação de ferramentas que permitam a sua capacitação. O objetivo é aumentar as exportações e promover a imagem de Portugal nestes mercados.
As forças de antiglobalização já não são novas e tiveram o seu máximo esplendor na administração Trump, que tinha em vista proteger a industria e os empregos dos EUA das ambições da China. O feitiço virou-se contra o feiticeiro numa vontade desenfreada de derrotar a “ideologia da globalização”.
E a China, fazendo bem as contas, deve ter saído a ganhar desta guerra comercial. Basta olhar para os números da macro economia chinesa em 2020 quando comparados com os números dos EUA ou outras economias Europeias.
O mundo, atualmente, está alicerçado em tendências paradoxais (ver artigo mundo BANI).
Em resumo, nos seus extremos, e em termos macro é isto:
- Tensões de elevado risco entre os EUA e a China sobre “trading”, tecnologia e Taiwan Vs investimentos multilaterais significativos em novas infraestruturas de conexão, de transporte de carga ferroviário e cabos submarinos (internet);
- Protecionismo e política industrial para produzir “nearshore” e diminuir a dependência de terceiros na cadeia de abastecimento Vs uma intensa competição para exportar tecnologias digitais e atrair investimentos para os mercados de capitais
- Nacionalismos e xenofobia que limitam a migração Vs uma guerra por talentos na tentativa de atrair estudantes internacionais (universidades), experts em saúde e profissionais especializados em IT (Tecnologias de Informação).
A competição geopolítica, hoje, é tripolar – EUA, Europa e Ásia – disputando recursos, cadeias de abastecimento (e de valor) e mercados.
A globalização e a geopolítica não são forças opostas, como se a rivalidade invertesse a interdependência (bem pelo contrário). Note-se que sem as ambições imperialistas e de conquista dos romanos, mongóis, portugueses, espanhóis, holandeses, britânicos e americanos, não teríamos a globalização como a conhecemos hoje. A geopolítica e a globalização são, então, duas faces da mesma moeda. E uma tem de viver com a outra para produzirem resultados e crescimento do comércio internacional.
Os europeus, asiáticos, latino-americanos e africanos praticam há muito um inteligente jogo de “multialinhamento” em todas as direções. Essa realidade trai a sabedoria convencional da última década em que caminhamos para um mundo G2 e não G7, no qual os países/estados devem escolher entre americanos ou chineses, como se tratasse de uma escolha exclusiva!
A titulo de curiosidade, como mero exemplo de geopolítica no mundo asiático, já poucos se devem recordar de uma das várias quezílias entre a China e o Japão sobre as ilhas (conhecidas como Senkaku no Japão e Diaoyu na China) que ocorreram há mais de uma década. Pouco tempo depois dessas disputas deu-se um episódio interessante – uma traineira chinesa colidiu com um navio da guarda costeira japonesa em setembro de 2010.
A China expressou de imediato o seu descontentamento, e como retaliação suspendeu as exportações de minérios de terras raras para um dos seus maiores parceiros comerciais (o Japão). Sendo a China o maior exportador de minérios de terras raras. O Japão respondeu, num formato de reciprocidade diplomática, desviando novos investimentos estrangeiros diretos da China para outros países do Sudeste Asiático. À medida que o Japão e os EUA começaram a reestruturar as cadeias de abastecimento de minerais fora da China, a sua participação no mercado internacional caiu de 95% em 2010 para 70% em 2018.
E é este o real impacto, numa potencial escalada de retaliações, que a reciprocidade de medidas em termos comerciais pode provocar. O que nos faz pensar que muitos dos monopólios só existem porque o permitimos (sendo isto verdadeiro para o petróleo, as reservas de moeda, a tecnologia, etc). E agora, com a pandemia, tudo isto pode ainda ser mais sentido, com os EUA e Europa a estimularem o “onshore” e o “nearshore” em cadeias de produção de abastecimento de material eletrónico, farmacêutico, médico e de saúde em geral.
Lembramos que neste momento a União Europeia (UE) já tem acordos de livre comércio com a Coreia do Sul, Japão, Singapura e Vietname – e estes dois últimos abrem caminho para um eventual acordo de livre comércio com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) como um todo. E em 2020, talvez como mais uma das movimentações do BREXIT, o Reino Unido também conseguiu concluir um acordo de livre comércio com o Japão.
Julgamos que a maioria dos membros da UE percebeu que precisa de seguir o modelo alemão de aumento das exportações para criar empregos e gerar crescimento (dando origem a uma balança comercial positiva e robusta, com uma industria forte). A pressa com que a UE teve em concluir um Acordo Global de Investimento com a China ressalta, então, a sua ambição de expandir a sua vantagem competitiva sobre os EUA no acesso aos mercados asiáticos.
Lembramos que foi esta cessante administração Trump que “rasgou” o TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) que estava praticamente concluído em 2016, e abriria anda mais as trocas comerciais entre o bloco europeu e americano (e pelos estudos, de 2016 disponíveis, bastante interessante para a economia portuguesa e exportadores portugueses para os EUA).
Como será com a nova administração Biden? O acordo vai ser retomado? Não sabemos e não será fácil, embora seja importante estar atento a este desenvolvimento pois pode mudar o paradigma em alguns setores exportadores portugueses. E recordamos que os EUA já são desde 2016 o maior importador de bens e serviços portugueses fora da UE.
Nestas jogadas geopolíticas no pós-covid a Europa, perante o cenário atual, não se pode dar ao luxo de ser ideológica sobre as suas ligações com a China, embora a chanceler alemã, Angela Merkel, ainda com muita influência na UE, acredite no ideal do “Wandel durch Handel” (transformação e crescimento pelo comércio).
O comércio de bens e mercadorias entre a Europa e a Ásia – incluindo China, ASEAN, Japão e Índia – é de 1600 mil milhões de dólares por ano, logo, muito maior do que o comércio da Europa com a América do Norte. E este talvez seja um dos indicadores mais significativos na mudança irreversível do centro de gravidade económico global para o leste, do transatlântico para a Eurásia.
E há também aqui uma orientação clara para a próxima administração dos EUA: ou aumenta o grau de relação com a Ásia ou corre o risco de perder mais empresas americanas para a Ásia. Note-se que por outro lado o comércio China-ASEAN excede agora as trocas comerciais da China com a UE e os EUA, o que está também a ajudar as economias do Sudeste Asiático a recuperarem dos efeitos da pandemia de uma forma mais acelerada do que outras economias ocidentais.
Na Ásia, os cinco principais exportadores do Leste Asiático – China, Taiwan, Hong Kong, Japão e Coreia do Sul – são responsáveis por mais de 4 mil milhões de dólares em exportações anuais, sendo esta dimensão quase a mesma que a UE e a América do Norte combinada. Não apenas um destes países isolado, mas sim como centros de produção dinâmicos conjuntos, serem hoje o motivo pelo qual a Ásia passou a ser a fábrica do mundo.
Com a assinatura do acordo comercial RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership), que cobre mais de um terço da população mundial e do PIB (Produto Interno Bruto), a Ásia está num processo acelerado de ter muitas fábricas (capacidade de produção e transformação) conectadas globalmente – especialmente os centros de produção de salários mais baixos do Sudeste Asiático (em principio mais competitivos pelo preço e fatores de produção associados).
A liberalização incremental do comércio e do investimento foi o que trouxe países como o Vietname para as cadeias de abastecimento globais de produção, com multinacionais do Japão, EUA e Europa a injetar capital neste mercado. Para os mais distraídos há mesmo quem afirme nas altas esferas asiáticas que o vencedor da guerra comercial EUA-China foi o Vietname. E pode também aqui estar uma oportunidade para a Europa e exportadores portugueses devido ao acordo comercial UE-Vietname em vigência.
A nova administração Biden pode desejar que os EUA voltem a aderir ao TPP, acordo comercial da Parceria Transpacífica (renomeado em 2018 CPTPP; Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica) – embora muitos obstáculos se levantem, como a base protecionista do partido democrata, entre outros. Dito isto, a América corporativa há muito que valoriza essa intransigência política e continuará a fazer “offshoring” para a Ásia para competir com os campeões chineses, europeus e mesmo os nacionais.
O investimento dos EUA nos países da ASEAN já é maior do que na China, Japão, Coreia do Sul e Índia combinados – e quase todos os analistas afirmam que a diferença aumentará, mesmo que os EUA nunca se juntem à CPTPP.
Salienta-se também o recente acordo UE-Japão (2019), bem como a rede “Blue Dot” EUA-Austrália-Japão, entre outras, que pretendem acelerar a modernização em todo o Oceano Índico sem depender da China (o que é interessante de seguir nos próximos anos em termos de geopolítica).
Ao mesmo tempo, a China reorientou o seu portfólio de “Belt and Road” (nova rota da seda) de várias maneiras, priorizando regiões vizinhas, como o centro e o sudeste da Ásia, muito mais do que outras, e transferiu empréstimos para empresas próprias e estrangeiras, em vez de empréstimos soberanos bilaterais mais abertos como era hábito.
E talvez seja esta a verdadeira corrida da nova onda de globalização com centro gravítico na Ásia. É por isso que o “Belt and Road Initiative” da China e os seus competidores diretos continuarão a impulsionar a próxima onda de globalização. A “Belt and Road” tornou-se uma abreviatura para uma área muito mais ampla, multidirecional e competitiva do mundo financeiro global.
A China também está a promover uma “Rota da Seda Digital”, embora a tecnologia seja uma etapa ainda mais sofisticada do futuro multidirecional da globalização. A titulo de exemplo note-se que a resistência liderada pelos EUA contra a Huawei está a abrir caminho para que algumas empresas europeias (Nokia e Ericsson) e a japonesa (NTT) pressionem agressivamente muitos estados por contratos 5G em todo o mundo.
Neste século XXI estamos a assistir a algo único e profundamente transformacional em geopolítica (e geoestratégia ativa, mas silenciosa), ou seja, de um ou dois polos como potências mundiais passamos para que cada continente ou região represente efetivos polos de poder, independentes por direito próprio. Este complexo sistema global é muito maior do que qualquer poder individual (ou a dois). E parece óbvio que dentro das suas teias de relações, nenhum poder se pode impor ao mundo.
Este novo mapa geopolítico antecipa uma nova fase da globalização, mais competitiva que a anterior, seja qual for o volume de trocas comerciais ou investimento em determinado momento. O que todas as potências deveriam concordar é que devemos procurar uma globalização mais justa e distributiva – uma globalização que aumente o rendimento global, reduza a desigualdade e que seja efetivamente inclusiva.
Autor: Equipa de conteúdos do BLOG do BOW @03,2021 (com base num artigo, com adaptações, do autor Parag Khanna, NIKKEI)