Existem, hoje, após 4 meses de crise de saúde pública e económica, imensos artigos e estudos de entidades oficiais a aplicar modelos matemáticos sobre evoluções das economias, ou até mesmo da própria doença.
Quase tudo é novo, inesperado, e não estávamos preparados. Ninguém – pessoas, empresas e governos – tinha um plano de contingência ou de mitigação para algo similar. Alguma vez tivemos economias paradas à escala global? Metade do mundo em confinamento?
Esta crise económica nas cadeias globais de valor vai provavelmente desacelerar o processo de integração e a dinâmica comercial entre os países e mercados. Com um impacto direto no comércio internacional e até no modelo de organização industrial e logístico.
Os impactos na produção e no consumo foram brutais – com grande parte das cadeias de abastecimento e de consumo interrompidas – e com experiencialismos económicos e sociais sobre os quais ainda desconhecemos impactos diretos e colaterais.
E as medidas que se aplicaram alguma vez foram testadas? Julgamos que não. Logo, podemos extrapolar consequências, mas baseados em quê?
Não temos respostas, mas podemos lançar alguma discussão e visões do impacto que tudo isto poderá ter na diminuição da globalização de mercados que estava em curso – note-se que os diferentes estudos apontavam, em 2018, para um mundo globalizado, em função de vários indicadores, na ordem dos 29% (embora a perceção da globalização estivesse nos 45%, muito acima da realidade – ver o DHL global connectedness index de 2018).
Um conjunto impactante de tendências, como nacionalismos, protecionismos, quebra das cadeias de valor (e de abastecimento) e, possivelmente, a maior crise de saúde pública nos últimos 100 anos, travaram a globalização em curso, reduzindo as trocas comerciais e levando a um movimento que alguns autores já denominam de “desglobalização”.
Este fenómeno é um processo em que o crescimento das exportações desacelera (veja-se o caso de Portugal que poderá ser entre -20 a -30% em 2020), e que é teoricamente compensado com um aumento no consumo interno, num efeito de curto prazo. Ou seja, é natural que os países e os seus governos, ou mesmo comunidades económicas como a Europeia, adotem medidas protecionistas para defender os seus interesses.
É importante encontrar o ponto de equilíbrio entre a correção dos problemas que a globalização trouxe, e todas as vantagens que dai também resultam, como progresso científico, tecnológico e de maior escala industrial para competir com o melhor preço para quem compra.
E será que com algumas correções muita coisa vai mudar? Ou voltará tudo ao mesmo na busca incessante em produzir ao mais baixo preço, com a maior rendibilidade, independentemente da localização? E como ficará o just-in-time nos processos produtivos? E a dependência industrial atual da Ásia? Note-se que mais de metade da produção e transformação industrial no mundo está na Ásia (ver infográfico mais abaixo).
Este novo paradigma vai, nem que seja temporariamente, acelerar a “desglobalização”, como que um movimento contrário à globalização. O mundo está conectado e é na conectividade que está o futuro num modelo de “aldeia global”. Julgamos é que os problemas que estamos a viver têm uma dimensão mundial e só se resolvem com uma crescente cooperação global, seja entre países ou entre empresas.
As grandes multinacionais com produções nas várias geografias vão ter de lidar com uma interferência política crescente, maior presença do Estado na economia, enquanto enfrentam pressões na sua origem para repensar as suas cadeias de abastecimento mesmo que coloquem em causa a rentabilidade do negócio.
A sustentabilidade e continuidade do negócio em termos de riscos estarão muito presentes nos próximos anos. Adaptação e agilidade no meio da incerteza e imprevisibilidade passarão a ser fortes drivers do negócio.
Esta crise trouxe lições para Portugal e para a Europa. A economia terá de passar pelo reforço da componente industrial, digitalização de processos e modelos de negócio, a necessidade do “customer centric”, e , no limite, a passagem de uma lógica de globalização para regionalização.
A vacina mais eficaz para as epidemias não é a segregação, mas antes a construção de confiança e cooperação internacionais. Embora se reconheça que o mundo pós-pandemia será marcado por restrições mais rígidas ao movimento de bens, serviços, capital, trabalho, tecnologia, dados e informações.
A tendência é de que entre produção e consumo a distância diminua. E isto vai trazer um grande impacto ao comércio internacional de bens e serviços. O caminho que muitas economias irão adoptar será em parte “desglobalizar”, criando algumas barreiras à entrada e promovendo a reindustrialização e a sua soberania industrial.
Julgamos consensual que temos de repensar a forma como trabalhamos, produzimos e gerimos as cadeias de abastecimento. No fundo vivemos num paradoxo. Esta crise pandémica veio lembrar-nos de que podemos fugir da natureza, mas não nos podemos esconder.
Seria importante que a União Europeia aproveitasse a crise para fortalecer as suas instituições e a sua força em termos mundiais. Para se afirmar como uma verdadeira união económica, de valores e de poderio industrial a europa precisa de estar unida e cooperar para um bem comum.
Não apenas unidos economicamente, mas também por um sentido de destino comum que culminará numa voz mais forte e representativa do mundo ocidental. Para isso necessita de se afirmar como um bloco geopolítico forte na geoeconomia mundial. E é aqui que também entra, em parte, a “desglobalização”, sem nunca esquecer o progresso tecnológico e científico que não deverá ser ignorado neste processo de mudança.
A industria portuguesa, alguns dos seus reconhecidos clusters e industria tradicional poderão encontrar grandes oportunidades neste novo paradigma. A par dos conselhos que Michael Porter trouxe há mais de 25 anos, devemos apostar na qualidade do conhecimento e boa preparação das gerações atuais.
Temos de apostar na reindustrialização para fortalecer e dar solidez à nossa economia.
Talvez uma reconversão industrial baseada no conhecimento e voltada para os desafios do futuro, onde as empresas, em parceria com as universidades, os politécnicos e outros centros de investigação, terão de competir e coopetir para resultados diferentes.
Autor: Equipa de conteúdos do BLOG do BOW @07,2020