Cada vez mais as empresas precisam de formação.
Mas toda essa formação, em áreas com um crescimento exponencial do conhecimento e da ciência e, em simultâneo, da partilha desse mesmo conhecimento e ciência, focou-nos a todos na aquisição, mesmo na absorção ávida e quase sufocante de tudo o que todos os dias é descoberto, desvendado, tudo, o que todos os dias, evolui, progride e se desenvolve, tudo o que todos os dias deixa de ser e passa a ser, o que era certo e agora errado, o que era absoluto e agora é menos que relativo.
A humanidade, nos últimos 50 anos descobriu, evolui e desenvolveu-se mais que nos 250.000 anteriores.
Mas essa avidez de absorver todo o conhecimento teve, como é obvio, as suas consequências: umas boas, outras más.
As boas é que nunca soubemos tanto sobre o mundo, sobre nós próprios, sobre tudo o que nos rodeia. Nunca o conhecimento esteve tão conectado, interligado e as várias áreas do conhecimento e da técnica contribuíram para alcançar fins partilhados, objetivos comuns, sucessos coletivos.
No outro dia, numa visita que fiz a uma pequena empresa de metalomecânica, um amigo, apontando para um robot que colocava, um depois de outro, parafusos numa peça dizia “eis as maiores descoberta da humanidade e meter parafusos”. E é verdade: num só robot que mete parafusos temos os contributos da física, da química, da eletrónica, dos sistemas, da gestão de informação, da termodinâmica, etc, etc..
Maravilhoso!
Também nunca, o simples cidadão teve acesso a tanta informação.
O mundo do conhecimento está, para (quase) todos, ao alcance de um toque num ecrã.
E muitas outras vantagens temos com o progresso estonteante das últimas décadas.
Mas depois, como em tudo, há o “reverso da medalha”.
O primeiro maleficio é que nos tornamos vítimas do nosso próprio conhecimento.
Cada um de nós nunca soube tanto sobre cada vez menos.
Tão focados que estamos na enormidade do pormenor perdemos, muitas vezes, a perspetiva da simplicidade do todo. Deixamos de ter a visão ampla das grandes coisas, dos grandes feitos e focamo-nos no sucesso dos pequenos detalhes, nas conquistas das mínimas coisas, nas descobertas imensas do pormenor, perdendo a noção que cada um desses detalhes, cada elemento só é válido, só é útil, só se completa e cumpre se em união e cooperação com outros pormenores, detalhes e pequenos elementos.
Esquecemo-nos que se não há o todo sem as suas partes, também de nada servem as partes se não se tornarem, unas e convergentes, em algo muito maior, melhor e mais eficiente que a sua simples soma aritmética.
Outro aspeto, entre tantos outros, que também me “preocupa” neste turbilhão de conhecimento e avidez de especialização é a noção que temos do “saber”.
Saulo de Tarso, escrevia numa carta que enviou aos seus amigos de Corinto, no século I d.C. : “Ainda que eu tenha o dom de profecia, saiba todos os mistérios e todo o conhecimento e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei.”
E nisto Saulo tinha razão.
De que vale saber tudo sobre alguma coisa se, com esse saber nada fazemos, nada geramos, nada produzidos?
De que vale ser o maior especialista em algo se não disponibilizamos esse saber para que possa ser complementado, relacionado, conjugado?
Ainda indo buscar as palavras de Saulo, se não formos movidos pelo “amor” ao todo de que nos vale a “paixão” pela parte, se não formos movidos pelo “amor” ao progresso, ao desenvolvimento, à Humanidade, de que nos serve todo o saber, toda a ciência, toda a vã glória da descoberta solitária e inútil?
Por isso cada vez mais apelo às equipas, empresas, organizações e pessoas com quem tenho o gosto de trabalhar, para nunca se esquecerem das suas soft skills (power skills ou human skills, como desejem), das suas competências humanas, de não olharem somente para o saber pelo saber, para o conhecimento pelo conhecimento, para não se tornaram “hard-drives” ambulantes e falantes.
Que nunca se esqueçam das suas competências humanas das quais destaco:
- A capacidade de colaboração com outras áreas
- A importância do trabalho em equipa
- A Comunicação
- A proatividade
- A assertividade
- A constante adaptabilidade
- A partilha da informação
Nenhuma destas competências e saberes foram abordados por Newton, Marie Curie, Niels Bohr, Alan Turing nem por Einstein (embora, todos eles, de um modo ou de outro, refletissem muito sobre a importância da universalidade do saber e do “Elemento Humano”).
Antes de sermos técnicos temos de ser humanos, antes de sermos especialistas temos de ser universalistas, antes de olharmos para o pormenor temos de ter a visão do geral.
Por isso afirmo que é urgente, depois de tantos anos de formação dedicados a formar especialistas começarmos a apostar na formação de universalistas, de pessoas que saibam do seu ofício, da sua área, do seu “mester”, mas também saibam como o comunicar, como o colocar em colaboração, como encontrar novas soluções para velhos pormenores, como buscar outras oportunidades, outros mercados, outros horizontes, outras opções para o sucesso.
Por muito conhecimento que acumulemos não haverá evolução humana sem qualidades e competências humanas e essas tem andado muito, mas muito esquecidas.
Quanto tanto se fala de gestão de todas as questões da Inteligência Artificial, talvez devêssemos falar mais da Inteligência Natural.
Como pode o criador potenciar a sua obra se não se conhece a si próprio, as suas características e competências e como tirar o melhor proveito dessas mesmas características e competências?
Gosto muito do mote do mega-famosos MIT – Massachusetts Institute of Technology dos Estados Unidos, onde “habitam” as mais brilhantes mentes e saem as mais avançadas invenções:
Sabem qual é?
“Mens et manus”, isto é, “Mente e mãos”!
Temos de nos formar nas competências e nas vertentes humanas do conhecimento, temos de apostar em criar equipas mais comunicativas e adaptativas, em estruturas mais pró-ativas, em dinâmicas mais assertivas, em coletivos mais alargados e cooperantes em que vitórias individuais se transformem em sucessos coletivos.
Vamos formar-nos em competências humanas porque, senão, de nada vale todo o conhecimento do Universo.
Pois, como dizia o mesmo Saulo, na mesma carta: “Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma com que sou plenamente conhecido.”
Vamos ser plenos para podermos, enfim, ser únicos.
Autor: Rui Costa e Silva