Todo este “novo normal” vai passar, mas o mundo como o conhecemos hoje vai mudar. Já mudou e vai mudar novamente. Estamos todos a fazer história – as escolhas e decisões que tomarmos hoje podem mudar as nossas vidas para os próximos anos.

Este artigo pretende apenas ser uma breve reflexão sobre o depois da pandemia. Podemos mesmo nos atrever a aplicar uma nova terminologia em termos de geoeconomia e geopolítica, que será o a. C. (“antes da COVID”) e o d. C. (“depois da COVID”).

Quedas abruptas das economias mundiais já aconteceram no passado, embora não tão graves, mesmo em tempos de guerra. Certos que ainda estamos no princípio sabemos que, em termos económicos, o que se está a passar é gravíssimo e incalculável em termos de potenciais impactos.

Não há nada mais grave do que parar quase toda a produção ao mesmo tempo, assim como um grande arrefecimento na procura e consumo por imposições de confinamento social. Não sabemos quanto tempo é que vai durar e estamos numa descida demasiado inclinada sem saber quando “batemos no fundo”.

As situações de guerra são situações de enorme colapso e de que se sai muito rapidamente porque a guerra destrói tudo e há, portanto, uma capacidade produtiva que é preciso repor. No fim da guerra, o que é mais necessário é investimento, porque desapareceram as infraestruturas, desapareceram muitas unidades produtivas, e quando a paz chega é preciso um investimento maciço, mas tudo isto que se passa hoje é bem diferente e não é comparável.

Na recuperação da economia (d. C.) não podemos esperar uma fase ascendente tão rápida. Vamos ter muito provavelmente uma recuperação lenta, que nunca será tão rápida na subida como foi na descida, e que vai demorar muito mais tempo a chegar aos níveis antes do início da crise (a. C.).

Esta pandemia vai destruir vidas, perturbar de uma forma dramática quase todos os mercados e provavelmente vai também expor a competência (ou a falta dela) de alguns governos – vão ser mudanças permanentes no poder político e económico mundial que só mais tarde serão visíveis.

Para nos ajudar a entender este “novo mundo”, com grande impacto nos negócios internacionais e nos exportadores portugueses, dividimos este artigo por 4 grandes temas da geopolítica e geoeconomia para que a análise se torne mais fácil e estruturada.

Temos de ter um plano de combate global tanto de saúde pública como económica, pois estamos todos na mesma “turbulenta tempestade” (talvez não no “mesmo barco”). Ou seja, há um dilema que enfrentamos entre um isolamento nacionalista e uma entreajuda e abertura global. São mercados, paises e governos com diferentes forças e recursos para combater esta pandemia (…)

1. O mundo ficará menos aberto, próspero e livre?

Esta pandemia provavelmente vai dar força ao “Estado” em todos os mercados e reforçará o nacionalismo. Estão a ser aplicadas medidas de emergência para lutar contar a crise, algumas excepcionais, e os lideres desses estados vão ser relutantes em renunciar esses novos poderes, que lhes foram conferidos, quando a crise terminar. As democracias, supostamente, não estão a ser suspensas, mas já há muitos ditadores e regimes autoritários à espreita.

A COVID-19 também acelerará a mudança de poder e influência do Ocidente relativamente ao Oriente. O futuro poderá vir a ser asiático. Como exemplo ainda em avaliação e passível de surpresas – a Coreia do Sul e Singapura responderam melhor (para já) e até a China reagiu bem após os seus erros e omissões iniciais. A resposta na Europa e da América do Norte tem sido lenta e incoerente em comparação (salvo algumas excepções), manchando ainda mais a marca ocidental de liderança dos últimos séculos.

O que não vai mudar é a natureza  e as forças do conflito da política mundial. As crises anteriores não acabaram com a rivalidade das grandes potências, nem inauguraram uma nova era de cooperação global. As anteriores pandemias – incluindo a epidemia de gripe de 1918-1919 – não terminaram com a rivalidade das grandes potências, nem inauguraram uma nova era de cooperação global.

As eleições americanas daqui a 7 meses (Novembro) poderão também, em função dos resultados, mudar a politica da maior economia mundial.

A globalização mundial estava nos 27% em 2018. Veremos, então, um recuo adicional de uma acelerada globalização assim como um decréscimo abruto do trading global (nem que seja temporário por meses). Os exportadores portugueses sofrem internamente no mercado nacional e nos seus principais mercados de exportação, para não falar de quebras nas cadeias de abastecimento e na logística globais.

Note-se que os 5 maiores mercados de exportação portuguesa estão parados. E o turismo que representava mais de 50% da nossa balança comercial de serviços está quase reduzido a zero, e será um setor que vai recuperar muito lentamente no pós-crise.

A confiança, que é a base de todos os relacionamentos comerciais, destruiu-se e não pode ser construída da noite para o dia. A falta de confiança é contagiante e estes tempos não são tempos normais. A covid-19 vai criar um mundo menos aberto, menos próspero e menos livre. Não precisava de ser assim, mas a combinação de um vírus mortal, impotência dos sistemas de saúde e uma liderança global fraca coloca a humanidade num caminho novo e preocupante.

Temos de ter um plano de combate global tanto de saúde pública como económica, pois estamos todos na mesma “turbulenta tempestade” (talvez não no “mesmo barco”). Ou seja, há um dilema que enfrentamos entre um isolamento nacionalista e uma entreajuda e abertura global.

São mercados, paises e governos com diferentes forças e recursos para combater esta pandemia. Tanto a epidemia, em si, como a crise económica que vai resultar dela são problemas globais. E estes só podem ser resolvidos com eficácia através de cooperação global.

2. Será o fim da globalização como a conhecemos?

A pandemia do coronavírus pode ter sido a ignição para quebrar o caminho que estava a ser percorrido pelo mundo na globalização da economia. O crescente poder económico e militar da China nos últimos 20 anos já tinha provocado uma guerra comercial sem precedentes com os Estados Unidos. Que insistem para que os seus aliados Europeus façam o mesmo, até em termos de tecnologia e propriedade intelectual.

O aumento da pressão pública e política para cumprir as metas de redução de emissões de carbono já tinha questionado a dependência de muitas empresas de cadeias de abastecimento globais. Nesta fase, a covid-19 está a forçar governos, empresas e sociedades, a fortalecer a sua capacidade de lidar com longos períodos de auto-isolamento económico.

Parece altamente improvável que, neste contexto, o mundo regresse ao modelo da globalização mutuamente benéfica que definiu o início do século XXI. Será necessária uma enorme auto-disciplina para os líderes políticos sustentarem a cooperação internacional e não recuarem para uma competição geopolítica aberta do séc XX. Se estes lideres demonstrarem aos seus cidadãos que vão saber gerir esta crise, aumentará o seu capital político. Mas aqueles que falharem terão dificuldade em resistir à tentação de culpar os outros (governos e mercados) pelo seu fracasso.

Estamos a viver um problema de saúde publica, que se vai transformar num problema gravíssimo em termos económicos e pode desaguar numa catástrofe do sistema financeiro (ainda não recuperado de 2008).

3. A globalização vai ficar mais centrada na China?

A pandemia do covid-19 não vai alterar profundamente as estratégias económicas globais e de cada um dos estados. Vai é acelerar uma mudança que já estava em curso: uma mudança da globalização com gravidade nos EUA para uma globalização mais centrada na China. A administração Trump já não era fã da globalização e do comércio internacional e disso são prova o “rasgar” de acordos internacionais e movimentos anti-globalização, considerando os acordos de livre comércio como dispensáveis.

As duas últimas décadas de ressurgimento económico da China foram resultado de uma conquista global do “made in china”, com aumento exponencial da exportação (maior mundial) e da importação (a caminhar para o maior mundial). A população chinesa também experimentou uma explosão de confiança cultural. Da produção barata passaram para competidores globais em todas as áreas e tecnologias.

Se o objetivo principal dos EUA é manter o domínio global, esse domínio terá que ter em conta uma disputa geopolítica de soma zero, política e economicamente, com a China. O caminho da cooperação seria o mais acertado. No entanto, dado o ambiente político atual dos EUA em relação à China, esse caminho não vai ser fácil. A não ser que as eleições presidenciais deste ano mudem a geopolitica atual.

Mesmo se os Estados Unidos prevalecerem como uma grande potência no d. C., não podem garantir a sua segurança de saúde pública agindo sozinhos. Como Richard Danzig resumiu o problema em 2018: “As tecnologias do século XXI são globais não apenas na sua distribuição, mas também nas suas consequências. Agentes patogénicos, sistemas de Inteligência Artificial, vírus de malware e radiação nuclear que outros podem acidentalmente libertar, originam não só o nosso problema quanto o deles”.

4. Será uma nova etapa para o capitalismo global?

Estamos a viver um problema de saúde publica, que se vai transformar num problema gravíssimo em termos económicos e que pode desaguar numa catástrofe do sistema financeiro mais à frente (ainda não recuperado de 2008).

O choque fundamental para o sistema financeiro e económico do mundo é o reconhecimento de que as cadeias de abastecimento e redes de distribuição globais são profundamente vulneráveis ​​a interrupções. A globalização permitiu as culturas do “just-in-time”, evitando os custos de armazenagem. Os stocks que ficavam nas prateleiras por mais do que alguns dias eram considerados falhas de mercado. A covid-19 prova, agora, que não só infeta pessoas como infeta todo o sistema de cadeias de valor globais.

Será que a globalização da produção, como a conhecemos hoje, faz sentido? O resultado pode ser um novo estágio dramático no capitalismo global, no qual as cadeias de abastecimento serão mais curtas (nas distâncias que os produtos e seus componentes percorrem) e promovendo a economia circular. Vai com certeza diminuir os agentes envolvidos e reduzir os lucros no curto prazo, mas pode ao mesmo tempo tornar todo o sistema mais resistente.

Só mais tarde poderemos confirmar o rumo da história. Julgamos é imperativo a cooperação global na resposta e combate a uma queda abrupta das economias nacionais e da economia global. Dada a natureza global da economia e das cadeias de abastecimento (estamos todos interligados), se cada governo tomar iniciativas em total desconsideração dos demais, o resultado será de certeza um caos e uma crise sem solução à vista. Precisamos de um plano de ação global… e precisamos dele agora e não amanhã.

E quem assumirá esse papel de liderar, com uma administração americana em negação, ou uma Europa que nem em simples questões de entreajuda está de acordo? Há uma falta de liderança mundial, que ainda ficou mais visível nas últimas semanas.

Como sociedade global, precisamos de fazer uma escolha. Entre percorrer o caminho de cada um para o seu lado, numa total desunião, ou adoptar o caminho da solidariedade e cooperação global. Julgamos só existir um caminho: escolher uma solidariedade entre todos e um plano global, o que nos levará a uma vitória, não apenas contra o coronavírus, mas contra todas as futuras epidemias e crises que possam aparecer amanhã.

Uma coisa é certa – muitos paradigmas da geoeconomia e da geopolitica, impossíveis de serem quebrados há umas semanas, vão mudar nos próximos meses.

Autor: Equipa de conteúdos do BLOG do BOW @04,2020